Consonâncias e dissonâncias das medidas urgentes na Lei Arbitral n.13.129/2015
Autor
Antônio pereira Gaio Júnior
Alterando a Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996 bem como a Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para fins de ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem na Administração Pública e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e ainda revogando dispositivos da Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, a Lei n.13.129, de 26 de maio 2015 edificou novatos parâmetros também no tocante à concessão de tutelas cautelares e de urgência em sede arbitral.
De pronto, merece pontuar o descompasso nominativo com relação ao texto da Lei n.13.105, de 16 de março de 2015 – Novo Código de Processo Civil- no que se refere aos termos por aquela usada em referência às denominadas “tutelas de urgência”, espécie do gênero Tutela Provisória, alcunhado pelo modelo do aludido novel CPC.
De fato, em redação dada pela Lei n. 13.129/2015, a Lei n.9.307/1996 dedica o seu Capítulo IV-A titulando-o de “DAS TUTELAS CAUTELARES E DE URGÊNCIA”, como se tratasse da possibilidade de termos uma tutela cautelar que não fosse de urgência, em movimento anacronicamente contrário ao que dispõe a Lei n.13.105/2015, onde, em seu art. 294, seguido de parágrafo único, sustenta nos seguintes termos:
“Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.
Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.”
Observa-se daí que coube ao legislador do novel CPC/2015 optar por adotar o termo Tutela Provisória como gênero, tendo como suas espécies as Tutelas de Urgência (Antecipada e Cautelar) e de Evidência, podendo as primeiras ser concedidas tanto em caráter antecedente quanto incidentalmente no processo, ex vi do supracitado art. 294 e seu parágrafo único.
Nota-se que poderia soar tal discrepância como algo apenas que cingiria ao campo nominativo, mas por respeito aos critérios da ciência e do método sabido é que não!
Ao optar o legislador do CPC/2015 por conceder tratamento sistemático a ambas as espécies de tutela de urgência (antecipada e cautelar) em requisitos uníssonos, portanto, imbuídos volitivamente para o contexto da contingência ou premência, como quer que seja, operou por mantê-las em contato estreito sob o manto da provisoriedade “urgente”, em regra.
Certo é que no direito as palavras têm vida!
Assim, salta-se aos olhos que a digitada Lei arbitral, por ter seu advento a posteriori da Lei edificadora do novato CPC, já ingressa no campo da validade em dissonância com o diploma processual civil pátrio. O que se esperar da aplicabilidade de ditas tutelas? Afinal, ainda que o parágrafo único do art. 22-A da Lei n.9.307/2006 bem expresse que cessará a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão, fato é que poderíamos conceber a persistência do processo cautelar autônomo, em que pese sua oculta contemplação no novel CPC.
Discrepâncias à parte, necessário será ressuscitarmos racionalidades já tidas como sepultadas em inúmeras letras ou rios de tinta por deveras escritos sobre a “égide” ainda não exigida do CPC/2015...
Trata o art. 22-A, caput, da possibilidade de qualquer das partes recorrerem ao Poder Judiciário, mesmo que sob o manto de uma cláusula compromissória já existente, para solicitar a concessão de “medida cautelar ou de urgência”.
Nota-se não ser isso uma novidade, já que desde o advento da Lei n.9.307/1996 é possível, ainda que sob o manto de uma cláusula compromissária já estipulada contratualmente, qualquer das partes recorrer ao Poder Judicante estatal para fins de solicitar a sub-rogação do compromisso arbitral, isso caso a outra parte se esquive em firma-lo, confirmando-se verdadeira tutela específica da pretensão mirada, conforme reza o art. 7º caput e seu §7º desta lei, in verbis:
“Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim.
(...)
§ 7º A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral.”
Lado outro, por analogia e em movimento contrário ao que se observa para com os direitos subjetivos, mais precisamente, no que se refere à publicização de vários direitos tidos como de contexto jurídico privado no campo da discussão de seus problemas e inquietudes, ex vi das uniões homoafetivas ou mesmo das até então tidas como “other side”, uniões estáveis, no caso do direito objetivo - o processual - nota-se, da inteligência do art. 22-B da Lei n.9.307/2006, o caminhar da publicização para a solução particular ou privada, e diga-se, o que é natural tendo em vista o modelo de solução de controvérsia em sede arbitral, quando se posta a possibilitar ao árbitro privado “cassar” medida conquistada em sede de jurisdição estatal, nos termos que, uma vez instituída “a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário.”
Ao contrário, ou seja, estando já instituída a arbitragem, o requerimento da medida cautelar ou de urgência será diretamente endereçado aos árbitros daquele processo arbitral (parágrafo único do art. 22-B da LA).
Por tudo, o que se pretendeu aqui foi inegavelmente notar, como já dizia Bobbio¹ , que o ordenamento não nasce num deserto e que da multiplicidade normativa que, invariavelmente, se anseia por racionalidades sistêmicas, existem pontos cegos a serem enfrentados a “olhos de ver”.
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¹ BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 5 ed. São Paulo: Edipro, 2014.