Direito, Processo e Desenvolvimento: Pacto de Estado e a Reforma do Judiciário
Professor Doutor Antônio Pereira Gaio júnior
“O tempo vinga-se de todas as coisas feitas sem a sua colaboração”
Eduardo Couture
É nota uníssona na literatura que se debruça pelo inevitável, mas recente estudo relativo ao papel do direito para os avanços no desenvolvimento nacional, este entendido como resultante do crescimento econômico acompanhado de melhorias na qualidade de vida, exercendo aí a Ciência Jurídica não somente o papel do estudo na regulação (o que já é por demais exercício hercúleo!), mas e sobretudo, projetando condições de segurança social através de tal regulação, ou seja, regula-se não só por regular, mas para avançar e, em progresso positivo, conceber desenvolvimento com aptidão em alterar, qualitativamente, a realidade.
Assim, diante do notório papel exercido pelas instituições na propulsão ao desenvolvimento, no dia 15 de dezembro de 2005 foi publicado texto com a devida exposição de motivos da proposta de formalização do denominado Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano.
Tal proposta de Pacto foi concebida e assumida pelos chefes dos 3 poderes da República Federativa do Brasil (Executivo, Legislativo e Judiciário), numa demonstração, mesmo que ainda em âmbito formal, de que poucos dos problemas nacionais possuem carga tão intensa de consenso no tocante aos diagnósticos quanto à questão judiciária e do devido acesso à ordem jurídica justa.
É sabido, como frase feita ou como já dizia o poeta “um museu de grandes novidades...”, que a morosidade dos processos judiciais, a baixa eficácia e a carente efetividade de suas decisões retardam, em grande escala, o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, favorecem a impunidade e solapam a verdadeira crença dos jurisdicionados no regime democrático, este, ainda, em construção, é verdade!
No decorrer dos pelo menos 12 últimos anos, inegável se faz perceber o esforço expendido nas esferas do Estado brasileiro - sobretudo em nível procedimental e processual- no sentido de, diante da crise do judiciário brasileiro em demandar propostas com vias factíveis de implementação ao enfrentamento dos óbices pelos quais insistem, de maneira muitas vezes irracional e/ou proposital a fazer parte do cotidiano institucional pátrio.
Notadamente, quando se vem a lume a idéia de uma Reforma dos Poderes, aqui o Judiciário, ou mesmo quando se coloca em pauta um problema de “acesso à justiça”, independente do ambiente ou foro ao qual se implementa o debate de idéias, seja na Academia ou nos meios forenses, seja em plenários eletivos ou em centros de poder, o paradigma deste acesso ao justo é sempre o velho mundo.
Ora, Comoglio, Ricci, Denti, Taruffo, Trocker, Cappelletti, Garth, Schwab, Baur e tantos outros, expoentes nas órbitas do poder ou como formadores de opinião no âmbito da Europa continental, discorriam e ainda o fazem sobre as alternativas políticas, administrativas e jurisdicionais acerca de uma otimização de vias em busca do efetivo acesso à justiça para os cidadãos europeus – estes que ainda hoje experimentam um déficit de cidadania - entretanto, sob os auspícios de uma outra realidade, esta já maturada por crises, avanços e retrocessos ainda não experimentados por nós nos mais diversos campos. Digo, são outras configurações sociais e, portanto, uma aderência de idéias distintas.
Neste sentido, observando-se a realidade vivenciada, sobretudo na América Latina, em um ambiente experimentado no mesmo compasso com os regimes de governo e associadas aos aspectos econômico, político e social reais, vem a “Reforma do Judiciário” já em vigor - ainda que incompleta - trilhar.
Já era hora de tomarmos posição sobre as discussões legislativas pátrias e sensibilizarmos com um novo enredo: o direito servindo ao desenvolvimento e este, debruçado não somente na noção do crescimento econômico (aumento do fluxo de renda real), mas e, sobretudo, na melhoria dos indicadores de bem-estar econômico e social, isto é, ligados à regulação efetiva para a prosperidade do combate à desigualdade, ao desemprego, às melhores condições de saúde, alimentação, educação, moradia, emprego, típicos problemas de países em desenvolvimento, tendo a esfera judiciária sua cota-parte de responsabilidade na manutenção de tal quadro sócio-econômico.
A análise que se faz de nossa realidade pelos mais diferentes indicadores sociais e econômicos, leva em conta,indubitavelmente, um modelo que nos compara aos nossos pares da América Latina e ainda, da análise de soluções a que buscamos para o enfrentamento de problemas os quais, mesmo que em proporções longitudinais, partem de realidades políticas e jurídicas não muito distantes daquelas por nós vivida.
Só a título exemplificativo, recentemente, o próprio Banco Mundial, ao traçar o perfil do plano de desenvolvimento brasileiro e abrindo um espaço especial para a análise dos Poderes da República, notou que se o Brasil obtivesse o mesmo sistema burocrático judiciário do Chile, cresceríamos cerca de 2,2 % em nosso PIB. Em seguida, apontou dentre diversas causas para o baixo reconhecimento e confiabilidade internacional da instituição judiciária brasileira, questões que vão desde a ineficiência das regras para a validade e eficácia da citação até a anacrônica e mambembe diversidade dos conteúdos decisórios de nossas Cortes sobre uma mesma temática.
É de se reconhecer que a reforma está em um passo inicial e ainda sem resultados empíricos, podendo-se detectar através de tratamentos obtusos em várias de suas passagens, daí querer dizer que em alguns de seus pontos procura-se atacar as conseqüências em detrimento das causas, como no caso da já tão debruçada Súmula Vinculante.
Por outro lado, em se tratando de otimismo, fato é que avanços podem bater à nossa porta, pelo menos é o que se depreende da harmonização de idéias que se tem manifestado no já citado Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano.
Mais especificamente, no que se refere, v.g., ao Código de Processo Civil, em uma de suas vias até então, das mais castigadas pelo descomprometimento com a realidade social, o Processo de Execução, tomou-se em detalhes modificações operadas pelas Leis n. 11.232/2005 e n. 11.382/2006 que, ainda que de princípio, demonstram interesse no exercício do binômio mais presente nas justificativas para as recentes reformas processuais operadas: celeridade e efetividade.
Em síntese bem apertada, desde questões ainda que já praticadas no foro, como p. ex., processo sincréticos (cognição e execução em feitos como despejo, execução de obrigação de prestar declaração de vontade e ações possessórias, dentre outras), agora estendidas, de maneira generalista a outras demandas, até a modificação da ordem expropriativa de bens (art. 647 do CPC) deixando a hasta pública, notoriamente morosa,não mais como principal meio de expropriação do executado, sem tocar nas multas coercitivas, seja pela demora no cumprimento do julgado ou pela prática protelatória no manejo de instrumentos processuais com o fito de retardar a devida satisfação do direito reconhecido, nota-se o prestígio que se quer dar ao binômio supracitado, contribuindo, nesta toada, para o efetivo papel que o Poder Judiciário tem a cumprir junto aos avanços no processo de desenvolvimento do país.
Outros pontos de estrangulamento jurídico, político, administrativo e social, tais como: implementação da Reforma Constitucional do Judiciário; Reforma do Sistema Recursal e dos Procedimentos; Defensoria Pública e o apelo desta via de acesso à justiça; Juizados Especiais (como o Agrário) e Justiça Intinerante; questões relativas ao erário público e ao “Estado inimigo”, como as reformas da Execução Fiscal e do Sistema de Precatórios; graves violações face aos Direitos Humanos; informatização mais ampla bem como produção de dados e indicadores estatísticos, estes os quais sabemos ser o Judiciário pouco afeito; coerência entre a atuação administrativa e as orientações jurisprudenciais pacificadas, já possuem consenso no diagnóstico e tratamento. Resta-nos, agora, participar na construção efetiva, democrática e responsável de um paradigma onde até então a falácia e o discurso eram letras presentes, configurando-se um mar demagógico que não se via o horizonte.
De tudo, cabe a nós, juristas, não só o papel do exercício na formação de idéias, o que já é relevante, mas, sobretudo, de participar ativamente tanto profissional quanto academicamente na edificação de uma ideologia cidadã: acesso a uma ordem jurídica justa com um efetivo Judiciário de resultado, cuja aptidão e o compromisso para com o efetivo desenvolvimento pátrio não se cogita em duvidar.