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Litisconsórcio necessário e o problema da eficácia da sentença em sede do novo CPC

Autor
Antônio pereira Gaio Júnior

Litisconsórcio necessário e o problema da eficácia da sentença em sede do novo CPC

Cediço para todos que enfrentam as dinâmicas processuais civis hodiernas que, ainda em sede do CPC/1973, a problemática conceituação do que se denomina litisconsórcio necessário e a eficácia das sentenças proferidas, quando da necessidade de sua constituição no processo, são pontos de severas críticas doutrinárias e não menos contradições jurisprudenciais.

O CPC/2015, atento a isso, procura solucionar a questão envolta ao elemento conceitual da incidência do litisconsórcio necessário (art. 114, caput), divorciando, a nosso ver, com acerto, acerca de sua relação umbilical com a uniformidade da decisão, como faz o atual e equivocado art. 47.

Por outro lado, com relação à eficácia da sentença, quando da ausência de quaisquer dos litisconsortes necessários na demanda, quer nos parecer que o novel codex complica mais do que soluciona, traindo preceitos básicos e que lhe dão contornos para o novo momento que requer a processualística civil pátria.

Vejamos o que regra o art. 114, caput do CPC/2015:

“Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.”

Oportuno que a relação litisconsorcial tenha sua formação realizada no início da relação jurídica processual.

Assim, observando o juiz a ocorrência de litisconsórcio necessário passivo na demanda, porém, ainda não integrado a ela, ordenará que o autor promova a citação de todos os litisconsortes necessários, ex vi do art. 115, parágrafo único, isso dentro de prazo que assinar (máximo de 30 dias, por analogia ao art. 351do CPC), sob pena de ser declarado extinto o processo.

Por outro lado, sendo ativo, o mesmo deverá ser citado para compor a relação jurídica processual, podendo vir ele a ingressar ou não, visto que não se pode obrigar ninguém a demandar. Ingressando ou não formalmente no polo ativo da relação processual, a sentença a ele se estenderá, visto que foi citado validamente, possibilitando, portanto, a sua integração à relação jurídica processual.

Nisso, em exemplo, sendo cônjuge, poderá o cônjuge autor, caso o outro cônjuge não venha aceitar ingressar no processo, obter o suprimento judicial da outorga do cônjuge não interessado, isto quando, por motivo justo, ocorra a impossibilidade de obtê-la, como, por exemplo, esteja o outro cônjuge em viagem.

Assim, o importante é que os litisconsortes necessários possam figurar na relação jurídica processual, seja em qual polo processual for exigido, sob pena de restar “nula” ou “ineficaz” a sentença proferida.

Neste compasso, coube ao CPC/2015, regular validade da sentença de mérito em relação à uniformidade ou não da decisão em sede de litisconsórcio necessário, i.e., dependendo ser ele necessário- unitário ou necessário simples e sua participação na demanda, tudo por meio da existência ou não da citação.

Expressa o art. 115, I e II:

Art. 115.  A sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será:

     I - nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo;

     II - ineficaz, nos outros casos, apenas para os que não foram citados.

Nota-se que haverá diferença para os efeitos da sentença proferida em processo ao qual o litisconsorte necessário não foi integralizado.

Dito isso, tratando-se de litisconsórcio necessário-simples (exigência de formação da relação litisconsorcial com conteúdos da sentença de modo não uniforme para os litisconsortes), a sentença será ineficaz para aqueles que não participaram da relação jurídica processual, mas que deveriam ter participado na condição de litisconsórcio-simples, portanto, válida e eficaz para aqueles que dela participaram.

Já, quando da relação litisconsorcial-unitária (exigência de formação da relação litisconsorcial com conteúdos uniformes para todos os litisconsortes), a sentença será considerada nula, pois que todos os litisconsortes devem receber tratamento isonômico no plano do direito material. Daí, que a aludida sentença poderá ser impugnada por ação rescisória, com fundamento no art. 966, V.

Neste último caso pensamos diferente. Em sendo a sentença proferida sem a participação de litisconsórcio necessário com sentença de índole unitária, isto é, de falha substancial na relação jurídica processual, inclusive ferindo isonomicamente as questões no plano material, tratar-se-á, verdadeiramente, de sentença inexistente, pois que não pode aquele que ficou de fora pela própria ausência de citação ou ainda, nulidade da mesma, ficar condicionado ao lapso temporal da ação rescisória para fins de enfrentar conteúdo que sequer teve a oportunidade de se manifestar, ferindo o básico preceito constitucional do contraditório e ampla defesa, sendo-lhe podado a possibilidade de influir nos desígnios da sentença a ele imputada, isso a qualquer tempo! Contraditório substancial é muito mais do que o binômio informação-reação. Significa a possibilidade de influir no próprio destino da tutela jurisdicional a ser prolatada.

Trata-se, aí então, da possibilidade de manejo da ação de querela nullitatis, de manejo imprescritível, onde será possível enfrentar o digitado vício formal - de natureza grave!- que é a ausência de correta formação da relação jurídica processual entre aquele não citado e os partícipes da demanda ora extinta em seu mérito, não sendo razoável que após passados 2 (dois) anos de eventual não propositura da ação rescisória, possam os efeitos materiais da sentença proferida sem a participação imprescindível do litisconsorte necessário-unitário, tornarem imutáveis, diante do que, lamentavelmente acostou colocou o legislador no inciso I do supracitado art. 115, como sentença de  natureza nula.[1]    .

 No mesmo sentido, adverte Teresa Wambier et al[2] ao bem afirmar que sentenças de mérito proferidas nessas condições não têm aptidão material para transitar em julgado, ficando sujeitas à impugnação pela ação declaratória.

A nosso ver, a ausência de citação de litisconsorte necessário é vício que equivale à ausência de citação. Afinal, o processo só se triangulariza se estiverem (ou se forem provocados a estar) ali todos aqueles cuja presença a lei considera necessária.

 

[1] Colaciona-se aqui, jurisprudência firme há tempos no Supremo Tribunal Federal:

“AÇÃO DECLARATORIA DE NULIDADE DE SENTENÇA POR SER NULA A CITAÇÃO DO RÉU REVEL NA AÇÃO EM QUE ELA FOI PROFERIDA. 1.PARA A HIPÓTESE PREVISTA NO ARTIGO 741, I, DO ATUAL CPC - QUE E A DA FALTA OU NULIDADE DE CITAÇÃO, HAVENDO REVELIA - PERSISTE, NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO - A "QUERELA NULLITATIS", O QUE IMPLICA DIZER QUE A NULIDADE DA SENTENÇA, NESSE CASO, PODE SER DECLARADA EM AÇÃO DECLARATORIA DE NULIDADE, INDEPENDENTEMENTE DO PRAZO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO RESCISÓRIA, QUE, EM RIGOR, NÃO E A CABIVEL PARA ESSA HIPÓTESE. 2.RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO, NEGANDO-SE-LHE, POREM, PROVIMENTO”. (STF. RE 97589/SC, Tribunal Pleno. Rel. Min. Moreira Alves, Julg. 17.11.1982, DJ 03.06.1983).

[2] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et ai. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p.340.

 

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