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CPIs e o Devido Processo Legal

Professor Doutor Antônio Pereira Gaio Júnior

*Publicado no Jornal Tribuna de Minas

CPIs E O DEVIDO PROCESSO LEGAL

Como sustentáculo de um universo de normas principiológicas de status constitucional (princípios do contraditório, ampla defesa, provas lícitas, igualdade de “armas”-oportunidades), o “Due Process of Law” – Devido Processo Legal, assim como o acesso à justiça e mesmo a instrumentalidade processual quer extra quer judicialmente, são escopos fundamentais que dão a diretriz, o contorno e a solidez nos mais diversos ordenamentos jurídicos contemporâneos, a despeito de quaisquer ordens, seja social, econômica e /ou política a que estejam submetidos.

Neste sentido e mais especificamente no tocante ao Devido Processo Legal, pressupõe-se que este repouse em um procedimento regular e previamente estabelecido, com atos sem vícios insanáveis ou insuprimíveis, contraditório efetivo e igualitário, juiz natural investido na forma da lei, coerente e imparcial e, sobretudo, oportunizador de uma garantia que de certo modo, atenue o sacrifício daquele que necessita do Estado (aqui entendido em sua exata compreensão, isto é, nas órbitas das funções Executiva, Legislativa e Judiciária), para satisfazer um direito material inadimplido ou mesmo se evitar com que uma lesão atinja sua integridade patrimonial.

Sob a luz de firme entendimento acerca deste nóvel e democrático sustentáculo principiológico é que hão de se observar os trabalhos das Comissões Parlamentares de Inquérito – CPIs- constantemente requisitadas (ainda que capitalizadas politicamente!) diante de fatos vêm, reiteradamente, assolando o país, pelo menos nos últimos dois anos.

Despido de quaisquer nuances ideológicos e mesmo desprovido aqui de um juízo de valor no que se refere aos fatos e pessoas que ali circulam em denúncias, dúvidas e apelos , até porque não cabe ao jurista o papel de “torcedor”, mas sim a análise comprometida com a sistêmica do Estado de Direito e o exercício estrito das instituições sob o manto da legalidade, é que se faz uma leitura preocupante e ainda indagativa no que toca à marcha processual bem como o labor das práticas procedimentais no âmbito das supracitadas Comissões – “auditórios” que, despidas de uma ansiedade juvenil e desprovida inúmeras vezes de qualquer pudor por parte de alguns de seus membros, espancam danos à imagem – patrimônio indissociável do cidadão comum, com os auspícios de uma parcela da imprensa comprometida apenas com o denuncismo irresponsável, sob o véu da liberdade- é bem verdade, com limites!- a que a própria legislação a concede, além de vantagens e vendagens pecuniárias de seus tablóides.

Ora, em um Estado democrático ainda em construção, mais do que nunca é preciso parcimônia,cautela, respeitando-se os dignos meandros constitucionais e a sua principiologia já aqui referendada, pois que os resquícios de práticas ab-rogando um devido processo legal conquistado sob muito sangue, não pode, de forma alguma, ser agora vitimado de maneira patológica por instituições conferidas popularmente para serem fiéis guardiãs de direitos , ainda que garantidos minimamente pelo insipiente acesso à justiça.

Em um território onde, de 1 a cada 4 brasileiros sabe ler (IBGE, nov. de 2006), soa a esmo o ditame constitucional : “Art. 5º (...) LVII- Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”

Salta-se aos olhos como se referem ao instituto das provas neste momento. Fala-se como se simples complemento formal fosse, onde sua serventia teria um papel apenas coadjuvante frente a uma sentença “já prolatada” por representantes do povo que confundem Estado de Direito com Ideologia de Direito em um Estado que, ainda de fraldas,chora por aviltamentos aos seus direitos.

Inova-se à teoria de Corbonnier acerca de um endêmico pluralismo jurídico, agora dentro do próprio Estado e observam pávidos este próprio parlamento e uma parcela da imprensa descomprometida , a esperada “casa do povo” – o Poder Judiciário- conceder liminar a um membro do Partido dos Trabalhadores - de novo, “réu confesso” mas ainda sem sequer vivenciar um devido processo legal! -, o direito a exercer o sublime Direito ao Contraditório em um não menos importante, mas com alcances menos intensos para um rumo nacional, processo e expulsão daquela Agremiação Partidária.

Parodiando na sabedoria aristotélica sempre hodierna, se tens dificuldades em precisar o alcance do Estado de Direito, necessário primeiro é admiti-lo como verdade, ainda que em construção, pois que, do contrário, dignos não serão os homens a julgar a si mesmos... e então nos restará voltar às ordálias divinas?!

O Due Process of Law , mais do que prática legal e democrática imprescindível, é representação do exercício meritório do homem e da alma.

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