Sala de Aula
X
Português

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - Janeiro/2008

Dados do Acordão
Classe: APELAÇÃO CÍVEL
Processo: 2007.049581-5
Relator: Fernando Carioni
Data: 10/01/2008


Apelação Cível n. 2007.049581-5, de Concórdia
Relator: Des. Fernando Carioni
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - NULIDADE DA SENTENÇA - FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL - PRELIMINARES RECHAÇADAS - CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA - COTAS SOCIAIS - PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA LIBERDADE CONTRATUAL E DO PACTA SUNT SERVANDA - DOLO E COAÇÃO NA CONTRATAÇÃO - VÍCIOS DE CONSENTIMENTO - INTERPRETAÇÃO A REAL INTENÇÃO DOS CONTRATANTES - ART. 85 DO ANTIGO CÓDIGO CIVIL - CLAUSULA PENAL - LIMITAÇÃO À OBRIGAÇÃO PRINCIPAL - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

O juiz é livre na apreciação de provas e na forma de instruir o processo, e isso lhe é facultado porquanto é o responsável pela busca da verdade processual, a fim de melhor comandar o deslinde do feito, razão pela qual o fato de a sentença não acolher as teses levantadas pelas partes não significa que não tenham sido reputadas e corretamente valoradas pelo magistrado.
Vislumbra-se o interesse processual sempre que a parte tenha a necessidade de exercer o direito de ação para alcançar o resultado que pretende, bem como quando o pedido seja útil sob o aspecto jurídico.

Em atenção ao princípio da autonomia da vontade, traduzido na liberdade de contratar, os contratantes ficam sujeitos aos termos da avença com que anuíram.

A argüição de vícios de consentimento em negócio jurídico deve ser reconhecida se ficar plenamente comprovada por quem se aproveita.

Na interpretação dos contratos, cumpre perquirir a real intenção dos contratantes, confrontando-se o texto da avença com os fatos e circunstâncias que envolveram a contratação.

O valor da cominação imposta na cláusula penal deve ser limitado ao montante da obrigação principal.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.049581-5, da comarca de Concórdia (2ª Vara Cível), em que é apelante Cidney Patzlaff, e apelados Nauro José Jasper e outros:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, prover parcialmente o recurso. Custas legais.

RELATÓRIO

Nauro José Jasper, Sônia Terezinha Carvalho Jasper e Ewaldo Paulo Priess ajuizaram ação de cobrança contra Cidney Patzlaff, relatando que em 15-12-2000 as partes celebraram contrato particular de compra e venda, o qual tinha por objeto quotas sociais das empresas Águia Corretora de Seguros Ltda., Milênia Corretora de Seguros Ltda., Liberdade Corretora de Seguros Ltda. e Protetora Distribuidora de Seguros Ltda., e que pagaram ao réu pela negociação a importância de R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais).

Relataram que o contrato estipulava que o réu não poderia, pelo prazo de 20 (vinte) meses, a partir da data da assinatura da avença, convidar ou admitir no quadro de funcionários ou parceiros representantes terceirizados funcionário ou produtor que estivesse trabalhando com as empresas negociadas.

Acrescentaram que, como penalidade por eventual descumprimento da referida cláusula, impuseram, na cláusula sexta, a multa no valor de R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais).

Salientaram que o réu, após vender suas cotas sociais nas empresas antes referidas, fundou em 1º-12-2000 a empresa corretora de seguros denominada "Patzlaff Corretora de Seguros Ltda" e, em descumprimento à aludida cláusula contratual, contratou a mão-de-obra de ex-funcionários da Águia Corretora de Seguros Ltda.

Afirmaram estar documentalmente provado que o requerido violou o contrato, atraindo para si o dever de indenizá-los, conforme estipulado contratualmente.

Juntaram documentos (fls. 11 a 193).
Citado, Cidney Patzlaff ofereceu contestação, argüindo, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido e a falta de interesse processual.

No mérito, impugnou os documentos acostados pelos autores, bem como o conteúdo deles, por se tratarem de cópias sem autenticação, por terem sido elaborados unilateralmente pelos produtores, que mantêm relação de dependência econômica com as empresas dos autores, e por se tratarem de documentos unilaterais, apócrifos, sem nenhuma relação com o contrato firmado entre as partes.

Alegou que as provas colacionadas pelos autores foram obtidas de forma ilícita.

Sustentou não existir proibição para que ex-funcionários das empresas negociadas venham constituir sociedade com o requerido, pois a cláusula quinta refere-se a quem esteja trabalhando, ou seja, durante o período de contrato de trabalho, de modo que, findo este, cessa a proibição.

Afirmou que o contrato em momento algum falou em proibição de associação, e que admitiu Fabiano Stringhini e André Euronato Durignon Morés como seus sócios, não infringindo o disposto contratualmente.

Mencionou a nulidade do contrato firmado, bem como a abusividade da cláusula quinta, em afronta ao Código de Defesa do Consumidor.

Relatou que os autores agiram com dolo ao inserirem a cláusula quinta na avença, além de terem-lhe coagido a firmar o contrato.

Argumentou ser excessiva a multa imposta na avença, pois importa no dobro da quantia paga pela negociação, em afronta ao disposto no art. 412 do Código Civil (art. 920 do antigo Código Civil).

Sugeriu que fosse aplicado o limite estabelecido nas relações de consumo, valorando a multa em 2% (dois por cento) do valor do contrato.

Carreou aos autos os documentos de fls. 236 a 269.

Impugnação à contestação às fls. 272 a 294.

Em despacho, o Magistrado a quo declarou saneado o feito e designou audiência (fls. 417 a 418).

Instruído o feito e apresentadas alegações finais pelas partes, sobreveio sentença, na qual a Magistrada a quo julgou procedente o pedido exordial para condenar o autor ao pagamento de R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais).

Determinou ainda que o vencido arque com as custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) do valor da condenação (fls. 645 a 661).

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, alegando, em preliminar, a nulidade da sentença, pois o decisório silenciou acerca de algumas teses levantadas pela defesa.

Ainda em preliminar, sustenta a falta de interesse processual, pois o objeto do contrato é uma obrigação de não fazer, de forma que a ação competente seria de execução e não de cobrança.

No mérito, alega a desproporcionalidade entre a cláusula penal e o valor do contrato, e que é nula a cláusula contratual que estipula multa em valor maior que o da própria obrigação.

Afirma a inexistência de rompimento contratual, pois não há no contrato proibição de que ex-funcionários das empresas negociadas venham constituir sociedade com o apelante.

Assevera a nulidade do contrato, pois nele somente existem imposições ao recorrente, em benefício dos apelados, bem como a abusividade da cláusula quinta, pois contrária aos princípios do direito contratual.

Menciona que os apelados agiram com dolo ao inserir a cláusula quinta na avença, já que tentam inviabilizar a atividade econômica desenvolvida pelo apelante.

Por fim, alega não ser possível que avenças particulares restrinjam a liberdade de concorrência e a livre iniciativa, princípios constitucionais que norteiam a economia de mercado.

Em contra-razões, os apelados pugnaram pela manutenção da sentença hostilizada.

VOTO

O conteúdo da postulação há de ser apreciado, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade recursal.
Trata-se de apelação cível interposta por Cidney Patzlaff com o desiderato de ver reformada a sentença que acolheu o pedido formulado na ação de cobrança, condenando-o ao pagamento da multa imposta contratualmente no importe de R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais).

De início, sustenta o recorrente a nulidade da sentença, ao fundamento de que o Magistrado a quo não se teria manifestado acerca da impossibilidade jurídica do pedido, da nulidade do contrato, por somente impor obrigações para o apelante, da abusividade da cláusula quinta, por dolo e coação, e da desproporcionalidade entre a multa contratual e o valor da obrigação.
É consabido que vige no sistema legal pátrio o princípio do livre convencimento motivado (art. 131 do CPC), de forma que os elementos constantes no processo podem ser apreciados livremente pelo magistrado, o qual, após confrontá-los, firmará seu posicionamento baseado naqueles que gozarem de maior credibilidade.

Acerca do princípio da persuasão racional, ou do livre convencimento motivado, leciona Moacyr Amaral Santos:
Conforme este princípio, ao juiz é concedido o poder de formar livremente a sua convicção quanto à verdade emergente dos fatos constantes dos autos. Quer dizer que o juiz apreciará e avaliará a prova dos fatos e formará a sua convicção livremente quanto à verdade dos mesmos. É o que reza o art. 131, do Código de Processo Civil: "O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas, deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento".
[...]
Entretanto, liberdade de convencimento não equivale a convencimento arbitrário. A convicção, que deverá ser motivada, terá que se assentar na prova dos fatos constantes dos autos e não poderá desprezar as regras legais, porventura existentes, e as máximas de experiência. O juiz, apoiado na prova dos autos, pela influência que exercer em seu espírito de jurista e de homem de bem, formará a convicção a respeito da verdade pesquisada (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 2, Ed. Saraiva, 1997, p. 78).

Dessarte, o Magistrado não se encontra adstrito aos fundamentos das partes (jura novit curia), tampouco está obrigado a rebater um a um os pontos levantados por elas, quando, abalizadas as provas constantes dos autos, apresente os motivos justificadores de sua decisão, como de fato ocorreu no caso sub judice.

Nesse sentido:
O magistrado não está obrigado a responder ponto por ponto os embates formulados pelas partes, por mais importantes pareçam ser aos interessados, quando encontra motivo suficiente para fundar sua decisão (AC n. 1998.014888-0, de Tangará, de minha relatoria, j. em 13-11-2003).

No presente caso, verifica-se que a temática insurgida pelo recorrente foi devidamente analisada no despacho saneador, bem como na sentença a quo, senão a contento, mas seguindo posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais expostos pela Magistrada de primeiro grau, pelo que não há falar, assim, em omissão, porquanto a pretensão do apelante consiste em adequar a decisão em seu benefício.

Diante disso, o fato de a sentença combatida não ter acolhido as teses levantadas pelo recorrente não significa que não tenham sido reputadas e corretamente valoradas pelo Togado de primeiro grau, de modo que deve ser rechaçada a alegada nulidade.

Ainda em preliminar, suscita a carência da ação por ausência de interesse processual, tendo em vista que o objeto do contrato é uma obrigação de não fazer, e que a ação competente para exigir seu cumprimento seria a ação de execução e não a ação de cobrança.

O processo civil brasileiro, seguindo o modelo inspirado na doutrina de Liebman, reza que ao lado do direito abstrato e incondicionado de ter acesso aos Tribunais também deve existir o direito processual de ação. Para este segundo existir, devem ocorrer certas condições, que, desrespeitadas, levam a declarar o autor carecedor de ação.

Dentre essas condições para a ação, destaca-se o interesse de agir, assim entendido como a necessidade de fazer uso da demanda judicial para se alcançar a tutela pretendida e sua utilidade na satisfação dos anseios de quem vem a juízo. Nesse sentido é a doutrina de Luiz Rodrigues Wambier ao lecionar que "a condição da ação consistente no interesse processual se compõe de dois aspectos, ligados entre si, que se podem traduzir no binômio necessidade-utilidade" (Curso Avançado de Processo Civil, 4. ed., RT, p. 140).

Mais à frente, o insigne doutrinador esclarece no que consiste esse binômio:
O interesse processual está presente sempre que a parte tenha a necessidade de exercer o direito de ação (e, consequentemente, instaurar o processo) para alcançar o resultado que pretende, relativamente à sua pretensão e, ainda mais, sempre que aquilo que se pede no processo (pedido) seja útil sob o aspecto prático (obra citada, p. 140).
 

Colhe-se da jurisprudência:
A falta de interesse de agir, a ensejar prolação de sentença terminativa, é condição da ação que está relacionada à presença do binômio necessidade/utilidade da tutela jurisdicional vindicada. Não sendo útil tampouco necessária a jurisdição que se invoca, inexiste interesse de agir do autor de ação judicial (TRF 2ª R., REO n. 181374, Proc. n. 98.02.37623-0/RJ, rel. Juiz Fernando Marques, j. em 27-4-2005).

O interesse de agir, enquanto condição da ação, pressupõe a necessidade da tutela jurisdicional traduzida na utilidade do provimento, donde conclui-se que, ausente um de seus requisitos, ou ambos, inexiste o interesse necessário ao ajuizamento da ação, hipótese que se amolda ao caso concreto (TRF 4ª R., REO n. 36847, Proc. n. 200070100041531/PR, rel. Juiz Dirceu de Almeida Soares, j. em 15-6-2004).

Extrai-se dos autos que as partes firmaram contrato particular de compra e venda, que tinha como objeto as cotas de capital social de quatro empresas corretoras de seguro, e estipularam na avença que o vendedor, ora apelante, não convidaria ou admitiria no quadro de funcionários ou parceiros, por um prazo de 20 (vinte) meses, a contar da assinatura da avença, funcionário ou produtor que estivesse trabalhando com as empresas negociadas, sob pena de multa por descumprimento no valor de R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais).

Ocorre que, segundo alegam os apelados, o recorrente, três meses após firmar o referido contrato, violou a proibição imposta ao contratar dois ex-funcionários de uma das empresas negociadas.

Inconformados com tal situação, os apelados vieram ao Judiciário requerer a multa contratual por descumprimento.
Pelo exposto, fica evidente o interesse processual dos apelados, porquanto, após firmar contrato que continha uma obrigação de não fazer, sob pena de multa por descumprimento, o apelante infringiu o disposto contratualmente, dando azo à exigência da penalidade pela via judicial.

Por oportuno, destaca-se que a multa contratual poderia ser exigida pela via executiva, já que o instrumento particular de compra e venda, assinado pelas partes contratantes e por duas testemunhas, constitui-se em título executivo extrajudicial; todavia, a jurisprudência mais eqüânime, consubstanciada pelos princípios da celeridade e economia processual e, prioritariamente, da instrumentalidade das formas, hoje imperantes no sistema processual civil pátrio, tem admitido a proposição de ação de cobrança, pelo rito ordinário, ou mesmo ação monitória, com base em título executivo extrajudicial.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - CONTRATO DE LOCAÇÃO - ENCARGOS LOCATÍCIOS INADIMPLIDOS - TÍTULO EXECUTIVO - PROCEDIMENTO COMUM - LIBERALIDADE NA ESCOLHA - EXTINÇÃO AFASTADA - RECURSO PROVIDO
A jurisprudência mais eqüânime, consubstanciada pelos princípios da celeridade e economia processual e, prioritariamente, da instrumentalidade das formas, possibilita ao credor escolher o procedimento comum para a cobrança dos encargos locativos inadimplidos, mesmo quando baseado em título executivo extrajudicial (TJSC, AC n. 2006.019521-1, de Lages, de minha relatoria, j. em 20-6-2006).

Sendo a escolha do procedimento executivo mera faculdade do credor, não há que se falar em falta de interesse de agir quando este opta pela via cognitiva para cobrar a importância que lhe é devida [...] (TJSC, Ag 2001.009764-8, de Balneário Camboriú, rel. Des. José Mazoni Ferreira, j. em 27-6-2002).
Assim, afastadas as preliminares suscitadas pelo apelante, passa-se ao exame do mérito recursal.
Sustenta o recorrente a desproporcionalidade entre a cláusula penal e o valor do contrato, já que afronta o art. 412 do Código Civil.
Alega que não houve o descumprimento contratual, tendo em vista que não há proibição de que ex-funcionários das empresas negociadas venham a constituir sociedade com o apelante, como de fato ocorreu. Acrescenta que a avença proíbe a contratação de funcionário ou parceiro que esteja trabalhando nas empresas negociadas.
Assevera a nulidade da avença firmada, já que nela somente existem imposições ao apelante. Salienta, ainda, que o contrato está eivado de nulidade já que redigido unilateralmente com o fim de beneficiar exclusivamente os apelados.
Afirma que a cláusula quinta do contrato não pode ser considerada válida, pois se trata de cláusula abusiva contrária aos princípios de direito contratual e de ordem pública.
Menciona que a cláusula estabelecida infringe os princípios da relatividade do contrato, da ordem pública, dos bons costumes, da livre concorrência e da iniciativa.
Ressalta que os apelados agiram com dolo ao inserir no contrato a cláusula quinta, uma vez que tentam inviabilizar a sua atividade econômica.
Por fim, salienta que além do dolo está presente o vício da coação, considerando que, diante da condição de sócios majoritários dos apelados, estes simplesmente lhe impuseram que assinasse o contrato ou se retirasse da sociedade e buscasse seus direitos judicialmente, de modo que não deixaram outra alternativa, senão a de subscrever o contrato nos moldes em que foi redigido.
Extrai-se dos autos que as partes firmaram contrato particular de compra e venda, no qual o apelante figurou como vendedor e os apelados como compradores, das cotas de capital social das empresas Águia Corretora de Seguros Ltda, Milênia Corretora de Seguros Ltda; Liberdade Distribuidora de Seguros Ltda. e Protetora Distribuidora de Seguros Ltda., pelo preço de R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais) (fls. 14 a 17).
Na cláusula quinta da avença, foi acordado que o vendedor, ora apelante, comprometer-se-ia a não convidar ou admitir no quadro de funcionários ou parceiros, qualquer funcionário que estivesse trabalhando nas empresas negociadas. Vejamos:
Quinta - o vendedor se compromete, por sua livre e espontânea vontade, neste ato, em não convidar ou admitir no quadro de funcionários ou parceiros representantes terceirizados, por um prazo de 20 meses, a partir desta data, qualquer funcionário ou produtor que esteja trabalhando com as empresas relacionadas na cláusula primeira. O mesmo compromisso do vendedor vale para a contratação como funcionários ou parceiros representantes terceirizados em empresas formadas por testa de ferro ou laranja, ou até os mesmos submeterm seus nomes para serem testa de ferro ou laranja.
Sexta - O não cumprimento do disposto na cláusula sexta, ensejará o pagamento por parte do vendedor aos compradores, de uma multa de R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais), a vista, em moeda corrente nacional (fl. 16).
Dito isso, observa-se que o contrato estipulou uma claúsula penal em caso de descumprimento da obrigação imposta ao devedor de não contratar funcionários das empresas negociadas.
A respeito do instituto, Sílvio de Salvo Venosa destaca que "cláusula penal é uma obrigação de natureza acessória. Por meio desse instituto insere-se uma multa na obrigação, para a parte que deixar de dar cumprimento ou apenas retardá-lo. [...] Destarte, submete-se, a priori, a uma pena o devedor que descumprir a obrigação culposamente, ou cumpri-la com atraso, tipificandp como mora" (Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 6 ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 333).
Ora, a cláusula penal in casu, imposta se houver o descumprimento da avença, é obrigação acessória ao contrato principal, com freqüência utilizada nos contratos como forma de intimidar o contratante a não descumprir os termos avençados.
Dito isso, importa reconhecer que não há nenhuma nulidade na sua imposição.
Igualmente, não merecem prosperar as alegações de nulidade da avença por ela somente impor obrigações ao apelante e por ter sido redigida unilateralmente com o fim de beneficiar exclusivamente os apelados.
Isso porque, pelo contrato, o apelante obrigou-se a entregar suas cotas sociais mediante o pagamento de vultosa quantia de dinheiro (R$ 140.000,00), fato que, por si só, denota que a avença impunha obrigações e compensações a ambas as partes.
Por oportuno, ressalta-se que, não incidente o Código de Defesa do Consumidor ao caso em apreço, tem-se por legal o pacto firmado entre as partes, e somente podendo ser desfeito/anulado quando evidenciada a existência de fato superveniente à relação contratual que cause excessiva onerosidade a uma das partes, o que não se evidenciou nos autos.
É, pois, o que decidiu o Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz, na Apelação Cível n. 1999.014070-9, de Brusque:
Ausente a aplicação do CDC, por certo incidente a obrigatoridade das relações contratuais ditada pela expressão pacta sunt servanda. Entretanto este princípio resta, atualmente, mitigado pela doutrina e pela jurisprudência que propugna a relatividade das convenções e, em que pese sua força obrigatória, excepciona-a em alguns casos. Assim é que a retirar a força do princípio do pacta sunt servanda, encontra-se o princípio do rebus sic stantibus, segundo o qual pode ser alegada a onerosidade excessiva do contrato frente a uma das partes. Em que pese esta mitigação, incumbe à parte que quiser desconstituir o contrato demonstrar, convincentemente, que as cláusulas contratuais são por demais onerosas, bem como que esta onerosidade é devido a fato superveniente à relação contratual, não o fazendo, por certo, a obrigação pactuada possui plena validade e força executória suficiente para propugnar-se a rescisão contratual em decorrência de inadimplemento.
Destarte, não demonstrou o recorrente nenhum fato superveniente à relação contratual que pudesse lhe onerar.
Além disso, argumenta-se que a pactuação não pode ser taxada de abusiva e ilegal, já que decorrente da declaração unilateral das partes e consubstanciada no princípio da liberdade contratual, a quem é dada a possibilidade de contratar ou de abster-se de contratar, escolher o seu parceiro contratual, além do conteúdo e dos limites do contrato, vinculando-se, por conseqüência, a obrigação assumida pela máxima de que o contrato faz lei entre as partes (pacta sunt servanda).
A respeito, colhe-se da doutrina de Orlando Gomes:
[...] Estipulado validamente seu conteúdo, vale dizer, definidos os direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os contratantes, força obrigatória. Diz-se que é intangível, para significar-se a irretratabilidade do acordo de vontades. Nenhuma consideração de eqüidade justificaria a revogação unilateral do contrato ou a alteração de suas cláusulas, que somente se permitem mediante novo acordo de vontades. O contrato importa restrição voluntária da liberdade; cria vínculo do qual nenhuma das partes pode desligar-se sob o fundamento de que a execução a arruinará ou de que não o teria estabelecido se houvesse previsto a alteração radical das circunstâncias (Contratos, 13. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1994, p. 36).
Ainda sobre a força obrigatória dos contratos, Sílvio de Salvo Venosa assevera:
Um contrato válido e eficaz deve ser cumprido pelas partes: pacta sunt servanda.
[...]
O ordenamento deve conferir à parte instrumentos judiciários para obrigar o contratante a cumprir o contrato ou a indenizar pelas perdas e danos. Não tivesse o contrato força obrigatória estaria estabelecido o caos.
[...]
Decorre desse princípio a intangibilidade do contrato. Ninguém pode alterar unilateralmente o conteúdo do contrato, nem pode o juiz, como princípio, intervir nesse conteúdo (obra citada, p. 372 e 373).
Assim, em atenção ao princípio da autonomia da vontade, traduzido na liberdade de contratar, os contratantes estão sujeitos aos termos da avença com que anuíram.
De outro norte, alega o apelante que os apelados agiram com dolo ao inserir no contrato a cláusula quinta, uma vez que tentam inviabilizar a sua atividade econômica, e que, além do dolo, está presente o vício da coação, considerando que, diante da condição de sócios majoritários dos apelados, estes simplesmente lhe impuseram que assinasse o contrato ou se retirasse da sociedade e buscasse seus direitos judicialmente, de modo que não lhe deixaram outra alternativa, senão a de subscrever o contrato nos moldes em que foi redigido.
Novamente sem razão o recorrente.
Estabelece o art. 147, II, do antigo Código Civil, vigente à época da contratação:
É anulável o ato jurídico:
[...] II - por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação, ou fraude (arts. 86 a 113).
Os vícios de consentimento enumerados no referido dispositivo devem provocar uma manifestação de vontade que não corresponda ao verdadeiro desejo dos contratantes, ensejando, com isso, a anulação do negócio celebrado.
In casu, o vício de consentimento não ficou devidamente comprovado nos autos, porquanto o recorrente não logrou demonstrar a ocorrência de dolo ou coação a ponto de influenciar na celebração do negócio.
A parte recorrente apenas limitou-se a alegar que estão presentes o dolo e a coação, sem, contudo, trazer aos autos prova contumaz ou mesmo evidencial da ocorrência dos fatos suscitados em contestação e reafirmados nesta esfera recursal.
Tem-se, por conseqüência, como não provada a ocorrência de vício de consentimento, ônus que competia exclusivamente ao apelante, a teor do art. 333 do Código de Processo Civil.
Sobre o ônus da prova, Humberto Theodoro Júnior ensina que "não há um dever de provar, nem à parte assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados e do qual depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente" (in Curso de Processo Civil, 18. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, v. I, p. 421).
Colhe-se desta Corte:
Somente através de escorreita prova, a cargo de quem alega, é que exsurge admissível a alegação de vícios do consentimento no negócio jurídico base dos embargos detonados (AC n. 47.733, de Tubarão, rel. Des. Eder Graf, j. em 13-12-1994).
[...] A declaração de nulidade do negócio jurídico está condicionada à prova da existência de vício na manifestação do consentimento. Não suportado o ônus pelos embargantes, impõe-se a rejeição do pedido (AC n. 2002.027435-1, de Araranguá, rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. em 20-10-2003).
Aquele que pretende a anulação do negócio jurídico deve comprovar cabalmente o vício de vontade alegado. Ademais, "a defesa com base em um dos vícios do ato jurídico, no caso, coação, não tem respaldo em sede de embargos à execução ou contestação, imprescindindo do contraditório e da ampla defesa em sede de ação própria" (AC n. 96.009359-1, Des. Carlos Prudêncio) (AC n. 2002.016002-0, de Criciúma, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. em 13-6-2003).
Não se pode esquecer também que, no momento da assinatura do contrato, estavam presentes duas testemunhas.
Logo, não cabe ao apelante suscitar que a cláusula quinta do contrato foi formulada com dolo pelos apelados, tampouco que foi coagido a assinar a avença, visto que não foi demonstrado, na espécie, nenhum vício de consentimento.
Dessa feita, considera-se que o apelante assinou o contrato de livre e espontânea vontade, expressando ali exatamente o seu desejo.
Por outro lado, menciona a abusividade da cláusula quinta da avença, pois, além de ser contrária aos princípios de direito contratual e de ordem pública, infringe os princípios da livre concorrência e da livre iniciativa.
Dispõe o art. 170 da Constituição Federal:
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
IV - livre concorrência;
[...]
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
De acordo com Alexandre de Moraes, a livre concorrência "constitui manifestação da liberdade de iniciativa, devendo, inclusive, a lei reprimir o abuso de poder econômico que visar a dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (CF, art. 173,§ 4º) (Direito constitucional, 14. ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 656).
Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, por sua vez, destacam:
1. A livre concorrência é indispensável para o funcionamento do sistema capitalista. Ela consiste essencialmente na existência de diversos produtores ou prestadores de serviços. É pela livre concorrência que se melhoram as condições de aprimoramento dos seus métodos tecnológicos, dos seus custos, enfim, na procura constante de criação de condições mais favoráveis ao consumidor. Traduz-se portanto numa das vigas mestras do êxito da economia de mercado. O contrário da livre concorrência significa o monopólio e o oligopólio, ambos situações privilegiadoras do produtor, incompatíveis com o regime de livre concorrência.
[...]
5. Idealmente falando, a livre concorrência é difícil de ser atingida na sua plenitude. Uma concorrência perfeita significa homogeneidade dos produtos, atomicidade do mercado, mobilidade dos fatores de produção e transparência dos preços. Com muita facilidade cada um desses pressupostos pode ser afastado gerando práticas distorcivas. Cite-se como exemplo a influência muito grande desempenhada pelos próprios produtores por meio da criação de diferenciações artificiosas dos seus produtos a que não correspondem quase nunca variações das reais preferências dos consumidores. Estamos pois diante do que os economistas chamam "uma concorrência imperfeita". Isto, contudo, não afasta a vigência de uma livre concorrência, visto que o próprio Texto Constitucional cuida de proteger o outro lado desfavorecido por estas práticas qual seja o do consumidor (Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, v. 7 , São Paulo, Saraiva, 1988, p. 23 a 29).
Conforme visto acima, a livre concorrência tem por objetivo melhorar as condições de mercado criando oportunidades mais favoráveis ao consumidor, e deve a lei reprimir o abuso do poder econômico que visa a dominação do mercado.
Dito isso, conclui-se que a limitação imposta pelo contrato em exame, consubstanciada na proibição de que o sócio, ora apelante, que estava deixando a sociedade, contratasse funcionários das empresas que estava alienando, não ofende os princípios constitucionais acima elencados, pois não impede ao apelante o acesso ao mercado.
Salienta-se que em momento algum o contrato veda que o recorrente constitua empreendimento no mesmo ramo das empresas negociadas; somente proíbe que, pelo prazo de 20 (vinte) meses, contrate mão-de-obra das empresas que estava alienando.
Por outro lado, alega o apelante que não houve o descumprimento contratual, tendo em vista que não há proibição de que ex-funcionários das empresas negociadas venham a constituir sociedade com o apelante, como de fato ocorreu. Acrescenta que a avença proíbe a contratação de qualquer funcionário ou parceiro que esteja trabalhando nas empresas negociadas.
Extrai-se dos autos que Fabiano Stringhini foi admitido na Águia Corretora de Seguros Ltda., empresa negociada pelo apelante, em 1º-10-1994, e foi desligado em 9-2-2001, e André Euronato Durigon Morés integrou o quadro da referida empresa no período compreendido entre 9-4-1997 e 8-3-2001 (fls. 19 a 26).
Outrossim, observa-se que o apelante, após negociar suas cotas sociais nas quatro corretoras de seguro, por meio do contrato de compra e venda firmado em 15-12-2000, fundou a Patzlaff Corretora de Seguros Ltda., e admitiu como sócios André Euronato Durigon Morés e Fabiano Stringhini, conforme consta na "1ª Alteração Contratual da Firma Patzlaff Corretora de Seguros Ltda.", datada de 18-3-2001.
A par desses fatos, fica nítido que o apelante infringiu a cláusula quinta do contrato de compra e venda, pois é evidente que André Euronato Durigon Morés e Fabiano Stringhini deixaram o quadro de funcionários da Águia Corretora de Seguros para associaram-se ao recorrente, diante do curto espaço de tempo entre o desligamento e a alteração contratual que os incluiu como sócios da Patzlaff Corretora de Seguros.
Aliado a isso, tem-se como irrelevante o fato de que André Euronato Durigon Morés e Fabiano Stringhini não foram admitidos como funcionários na empresa do apelante, pois por certo que o contrato pretende inibir que qualquer funcionário das empresas negociadas passe a trabalhar com o recorrente, como funcionário, parceiro ou sócio. Se assim não fosse, seria totalmente inócua a cláusula proibitiva.
Acrescenta-se ser consabido que na interpretação dos contratos cumpre perquirir a real intenção dos contratantes, confrontando o texto da avença com os fatos e circunstâncias que envolveram a contratação, a fim de extrair a vontade das partes.
Tal preceito encontra-se insculpido no art. 85 do antigo Código Civil, aplicável à época dos fatos, recepcionado pelo art. 112 do Código vigente.Vejamos:
Art. 85. Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem.
Sobre o tema, Washington de Barros Monteiro acentua:
Por mais cuidadosas que sejam as partes na redação do ato jurídico, por mais conhecedoras do idioma e do valor dos vocábulos, possível será sempre a inclusão de cláusula duvidosa, ou o aparecimento de ponto obscuro, a exigir do aplicador da lei, juiz ou advogado, fixação do sentido autêntico, exatamente colimado pelos interessados.
[...]
Por outro lado, com relação aos contratos em geral, devem estes ser interpretados segundo a boa fé, as necessidades do crédito e as leis da eqüidade. A observância do negócio jurídico constitui um dos meios demonstrativos da interpretação da vontade das partes. A melhor interpretação de um contrato é a maneira pela qual os interessados, de comum acordo, o executaram. Os eventos posteriores são a melhor explicação dos fatos (Curso de Direito Civil, Parte Geral, 21. ed., São Paulo, Saraiva, 1982, p. 181 a 183).
Não divergindo, Maria Helena Diniz destaca:
Como todo ato negocial decorre de ato volitivo, que almeja a consecução de certo objetivo, criando, baseado em lei, direitos e impondo deveres, essa declaração de vontade requer uma interpretação, ante o fato de haver possibilidade de o negócio conter cláusula duvidosa ou qualquer ponto controvertido.
[...]
A interpretação do ato negocial situa-se na seara do conteúdo da declaração volitiva, pois o intérprete do sentido negocial não deve ater-se, unicamente, à exegese do negócio jurídico, ou seja, ao exame gramatical de seus termos, mas sim em fixar a vontade, procurando suas conseqüências jurídicas, indagando sua intenção, sem se vincular, estritamente, ao teor lingüístico do ato negocial. Caberá, então, ao intérprete investigar qual a real intenção dos contratantes, pois sua declaração apenas terá significação quando lhes traduzir a vontade realmente existente. O que importa é a vontade real e não a declarada; daí a importância de se desvendar a intenção consubstanciada na declaração (Código Civil anotado, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 152).
No mesmo sentido, posiciona-se a jurisprudência:
Nos negócios jurídicos, atender-se-á mais ao desejo dos contratantes que ao sentido literal das palavras que os compõem (TJSC, AC n. 1999.010732-9, de Ibirama, rel. Des. Monteiro Rocha, j. em 21-7-2005).
CONTRATO. INTERPRETAÇÃO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. APLICAÇÃO DO ART. 85, DO CPC.
"...o princípio da boa-fé entende mais com a interpretação do contrato do que com a estrutura. Por ele se significa que o literal da linguagem não deve prevalecer sobre a intenção manifestada na declaração de vontade, ou dela inferível. Ademais, subtendem-se, no conteúdo do contrato, proposições que decorrem da natureza das obrigações contraídas, ou se impõem por força de uso regular e da própria eqüidade." (Orlando Gomes. in Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1994, pág. 42) (TJSC, AC n. 1997.013700-1, de São José, rel. Des. Vanderlei Romer, j. em 1-12-1998).
Na interpretação do contrato, que é resultante das declarações de vontade, o Juiz deve atender mais à intenção das partes que ao sentido literal da linguagem. Inteligência do art. 85, do CCB (TJRS, AC n. 70008095614, de Porto Alegre, rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda, j. em 31-3-2004).
CIVIL. PREVI. DECLARAÇÕES DE VONTADE. LEGALIDADE. ARTIGO 85 DO CÓDIGO CIVIL.
Nas declarações de vontade deve-se levar em conta a intenção das partes e não o sentido literal das palavras, posto que constitui a essência do ato ou contrato e não simples meio de prova (TJDF, APC n. 4721297, Ac. n. 111204, DF, rel. Des. Ribeiro de Sousa, j. em 3-8-1998).
A par disso, muito embora o instrumento contratual expresse literalmente que o apelante não "convidaria ou admitiria no quadro de funcionários ou parceiros" empregados das empresas negociadas, seria incoerente que a real intenção da cláusula fosse impedir a contratação de funcionários e parceiros, deixando livre o apelante para associar-se a funcionários das referidas empresas, visto que a intenção dos contratantes era inibir o apelante de ter como colaboradores funcionários das empresas que haviam sido negociadas.
Ora, a interpretação que mais se coaduna com a realidade dos autos e da prática forense é a de que a cláusula visa impedir qualquer tipo de associação entre o apelante e os funcionários das empresas alienadas pelo período de 20 (vinte) meses.
Corroborando, colhe-se trecho da bem-lançada decisão de primeiro grau que elucida a questão:
Alega também o réu, que o impedimento contido na cláusula, se refere apenas a funcionários e terceirizados, e não a "sócios". Contudo, é clara a referência a "parceiros", o que, sem dúvida diz respeito a sociedade ou parceria, diferente da relação patrão-empregado. Logo, o argumento trazido a baila não desobriga o réu, conforme pretende, pois se o comprometimento era para não empregar funcionários ou terceirizados que tivessem envolvimento com a Águia Seguros, por dedução lógica, também não poderia torná-los de sua empresa, sob pena de incidir na proibição" (fl. 650).
Por fim, sustenta o recorrente a desproporcionalidade entre a cláusula penal e o valor do contrato.
Dispõe o art. 920 do antigo Código Civil que "o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal".
A respeito, Antônio Pereira Gaio Júnior destaca que "o valor da cominação imposta na cláusula penal não poderá exceder o da obrigação principal, evitando, destarte, que o devedor inadimplente se sujeite a uma pena um tanto quanto leonina, muito embora, valendo ressaltar, que não dificilmente poderá o prejuízo da parte lesada ter valor muito superior ao da pactuação estipulada na cláusula penal" (Tutela Específica das Obrigações de Fazer, 2. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 83 a 85).
É da jurisprudência:
Em se tratando de contrato regido pelas regras do direito civil, torna-se possível a estipulação da multa contratual em valor que não extrapole o montante correspondente ao da obrigação principal (TJSC, AC n. 2006.042610-9, de Tubarão, de minha relatoria, j. em 20-3-2007).
MULTA DE NATUREZA COMINATÓRIA - MORA CONFIGURADA - CABIMENTO - LIMITAÇÃO AO VALOR DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL - EXEGESE DO ART. 412 DO CÓDIGO CIVIL.
A multa estabelecida na apólice de seguro habitacional tem como principal objetivo a garantia de satisfação da obrigação securitária da forma mais célere possível, evidenciando a sua natureza cominatória, devendo incidir sobre o valor da indenização, observada a limitação prevista no art. 412 do Código Civil (TJSC, AC n. 2007.006911-5, de São José, rel. Des. Mazoni Ferreira, j. em 15-3-2007).
A estipulação de multa moratória em valor superior àquele da obrigação principal impõe a redução da penalidade ao limite legal porque, não sendo caso de cumprimento parcial da obrigação e em se tratando de pena consensualmente ajustada, a disposição está indubitavelmente sujeita aos limites do art. 920 do CC/16 (vigente na data do contrato) (TJPR, ApCvReex n. 369335-8, de Antonina, rel. Des. Leonel Cunha, j. em 13-3-2007).
FACTORING. ANULAÇÃO DO CONTRATO. CLÁUSULA PENAL. LIMITE LEGAL. REDUÇÃO DA CLÁUSULA PENAL. ART. 920. C.CIVIL DE 1916. JUROS MORATÓRIOS. INÍCIO DA CONTAGEM. JULGAMENTO ULTRA PETITA. FACTORING. MULTA INSTITUÍDA PARA O CASO DE "CONSTATAÇÃO DE VÍCIO OU MA-FÉ NA ORIGEM DOS TÍTULOS". CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA. CONFIGURAÇÃO.
Constitui cláusula penal compensatória a estipulação, em contrato de factoring, de multa em "montante igual ao dobro do valor de face do título", para o caso de "constatação de vício ou ma-fé na origem dos títulos".
Limite legal. Código Civil. Artigo 920. Derrogação pela vontade das partes. Inadmissibilidade. Transgressão do preceito. Conseqüências.
É de ordem publica e, como tal, insuscetível de ser derrogada pela vontade das partes, a norma do artigo 920 do Código Civil, de acordo com a qual "o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal". Portanto, ainda que todas estejam de acordo, as partes não podem pactuar penalidade de valor superior ao da Lei.
A transgressão do preceito, no entanto, não acarreta a invalidade da cláusula. A conseqüência do excesso é só a redução do valor pactuado aos justos limites legais (TJRJ, AC n. 667/1995, rel. Des. Wilson Marques, j. em 24-10-1995).
In casu, o valor do contrato, no qual foi imposta a cláusula penal, é de R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais), e a penalidade por descumprimento atinge o montante de R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais), em clara afronta ao art. 920 do antigo Código Civil.
Por conseguinte, determina-se que o valor da cláusula penal seja limitado ao valor do contrato, ou seja, deve ser minorado para R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais).
Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso para minorar o valor da cláusula penal para R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais).
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, dá-se parcial provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, realizado no dia 6 de novembro de 2007, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Marcus Tulio Sartorato e Jânio Machado.
Florianópolis, 14 de novembro de 2007.
Fernando Carioni
PRESIDENTE E RELATOR