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Tribunal de Justiça de Santa Catarina - Dezembro/2005

Tipo: Agravo de Instrumento
Número: 2005.031200-3
Des. Relator: Des. Pedro Manoel Abreu.
Data da Decisão: 06/12/2005

Agravo de Instrumento n. 2005.031200-3, de São João Batista.

Relator: Des. Pedro Manoel Abreu.

Agravo de instrumento. Obrigação de fazer. Apresentação de relatórios discriminados das ligações telefônicas. Antecipação da tutela específica. Requisitos preenchidos. Possibilidade. Exegese do art. 461, §3º, do CPC. Recurso desprovido.

À luz do art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, a antecipação dos efeitos da tutela nas obrigações de fazer deve ser concedida se comprovado o relevante fundamento na demanda, e o justificado receio de ineficiência do provimento final. (TJSC, AI nº 2003.026870-7, de Joinville, rel. Desª. Salete Silva Sommariva, j. 3.3.2005)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n. 2005.031200-3, da Comarca de São João Batista, em que é agravante Brasil Telecom S.A. e apeladas Glória Motta Vargas e outras:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento ao recurso.

Custas de lei.

1. Cuida-se de agravo de instrumento interposto por Brasil Telecom S.A. contra decisão proferida em sede de ação de obrigação de fazer, com pedido de tutela antecipada, que lhe movem Glória Motta Vargas e outras.

O decisum objurgado deferiu a antecipação de tutela requerida, determinando a apresentação, no prazo de 15 (quinze) dias, de relatórios detalhados dos valores pagos a título de serviço de telefonia, no lustro que antecedeu o requerimento administrativo formulado pelas autoras que restou inatendido pela concessionária.

Em sua insurgência, a agravante defende em preliminar a falta de interesse das agravadas. No mérito, aduz que é incabível o deferimento da liminar em sede da presente actio, uma vez que tal concessão esgotaria ab initio o objeto da demanda, exaurindo, com isso, o próprio processo. Postulou, enfim, a concessão de efeito suspensivo à decisão atacada e o provimento do presente recurso.

O pedido de efeito suspensivo restou deferido.

Os agravados apresentaram contraminuta, defendendo a manutenção do decisum.

2. Nega-se provimento ao recurso.

Inicialmente, afasta-se a apreciação, no âmbito recursal, das questões concernentes à carência de ação por falta de interesse dos agravados para a propositura da demanda principal, em razão do agravo ser o foro estrito para o exame das questões atinentes exclusivamente à decisão impugnada.

Assim, o exame da matéria impugnada deve ser adstrito apenas ao acerto ou desacerto do decisum objurgado.
Neste sentido, já decidiu esta Corte:
"O agravo de instrumento não é o foro adequado para discussão do mérito do pedido, porquanto o recurso está limitado ao acerto ou desacerto da decisão recorrida." (AI nº 9.248, da Capital, da qual foi relator o signatário)

Assevera a agravante, equivocadamente, não ser possível a antecipação de tutela no caso vertente, uma vez que importaria em esgotamento prematuro do objeto da demanda. Ao contrário, há previsão específica para as ações dessa natureza, exigindo-se inclusive para a concessão, segundo doutrina de relevo, mero juízo de probabilidade, isto é a relevância do fundamento da demanda, consoante o preceito do art. 461, § 3º, do CPC.

Sobre o assunto, anotam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, em seu festejado Código Comentado (2ª ed., Ed. RT, 1996, p. 831/832):

"A tutela específica pode ser adiantada, por força do CPC, 461, parágrafo 3º, desde que seja relevante o fundamento da demanda (fumus boni juris) e haja fundado receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora). É interessante notar que para o adiantamento da tutela de mérito, na ação condenatória em obrigação de fazer ou não fazer, a lei exige menos que para a mesma providência na ação de conhecimento tout court (CPC 273). É suficiente a mera probabilidade, isto é a relevância do fundamento da demanda, para a concessão da tutela antecipatória da obrigação de fazer ou não fazer, ao passo que o CPC 273 exige, para as demais antecipações de mérito: a) prova inequívoca; b) o convencimento do juiz acerca da verossimilhança; c) ou o periculum in mora (CPC 273 I) ou o abuso do direito de defesa do réu (CPC 273 II)".

Sérgio Ribeiro Porto, após discorrer acerca da importância do instituto da tutela antecipatória como garantia da justa composição da lide, leciona:
"Assim, tanto o artigo 273 quanto o 461, CPC, contribuem decisivamente para um melhor uso do processo em geral e no que tange as obrigações de fazer e não-fazer não poderia ser diferente, eis que o juízo passou a dispor de um invejável instrumento de efetividade da tutela jurisdicional, pois se preenchidas as condições impostas pelo §3º, artigo 461, CPC, poderá, sem audiência da parte contrária ou mediante justificação prévia se entender necessário, outorgar efeitos que somente a sentença de procedência outorgaria." (Comentários ao Código de Processo Civil. V. 6, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 120)

Portanto, presentes os pressupostos para o juízo provisório de antecipação, insertos no art. 461, §3º, do CPC, o magistrado poderá adiantar os efeitos que seriam obtidos com a sentença definitiva de procedência.

Da jurisprudência desta Corte, extrai-se:
"Quando presentes os pressupostos legais, traduzidos essencialmente no binômio fumus boni juris e periculum in mora, tem a parte direito subjetivo às tutelas de urgência - assim denominadas aquelas aptas a impedir que a "inevitável demora da prestação jurisdicional seja capaz simplesmente de inviabilizar, pelo menos do ponto de vista prático, a proteção do direito postulado" (Barbosa Moreira)." (TJSC, AI nº 2004.036830-6, de Ascurra, rel. Des. Newton Trisotto, j. 26.7.2005)

"À luz do art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, a antecipação dos efeitos da tutela nas obrigações de fazer deve ser concedida se comprovado o relevante fundamento na demanda, e o justificado receio de ineficiência do provimento final." (TJSC, AI nº 2003.026870-7, de Joinville, rel. Desª. Salete Silva Sommariva, j. 3.3.2005)

Vale destacar, oportunamente, que embora a tutela antecipatória de mérito guarde estreita semelhança com a medida cautelar, integrando ambas o gênero das tutelas de urgência, com esta não se confunde.

Sobre o assunto, leciona Antônio Pereira Gaio Júnior:
"Dessarte, importante já se faz salientar que, não obstante a presente tutela antecipatória se assemelhar à tutela cautelar, com esta não se confunde, pois que a primeira tem por objetivo conceder, de forma antecipada, o próprio provimento jurisdicional (pretensão de mérito) invocado pelo autor do pedido, enquanto que a segunda tem por finalidade precípua e primordial, assegurar o resultado útil do processo de conhecimento ou de execução. É de se notar, portanto, o caráter satisfativo da tutela antecipada e bem neste sentido salienta DINAMARCO que "as medidas inerentes à tutela antecipada têm nítido e deliberado caráter satisfativo (..). Elas incidem sobre o próprio direito e não constituem em meios colaterais de ampará-los, como se dá com as cautelares." (Tutela específica das obrigações de fazer. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 92)
Ad argumentandum tatum, no tangente ao cabimento da ação de obrigação de fazer para os fins colimados - fornecer relatório pormenorizado relativo ao pagamento das faturas de telefonia nos últimos cinco anos, não pairam dúvidas quanto à adequação da presente actio, uma vez que "se decorrente de contrato ou de lei, o dever de exibir documento constitui obrigação de fazer. A ação de "cumprimento de obrigação de fazer" (CPC, art. 461) é adequada para compelir o devedor a adimpli-la." (TJSC, Ap. Cív. nº 2005.000843-4, de São João Batista, rel. Des. Newton Trisotto, j. 15.2.2005)

Colhe-se da jurisprudência:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - DIREITO À OBTENÇÃO DAS FATURAS DE ENERGIA ELÉTRICA - PEDIDO DE EXIBIÇÃO CONSUBSTANCIADO NO ART. 461 DO CPC - POSSIBILIDADE - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO.

Em razão de os pressupostos para a propositura das ações incidentais de exibição de documentos contra terceiro (CPC, arts. 360 a 363) serem os mesmos das ações cautelares de exibição de documentos (CPC, arts. 844 e 845) e das ações de conhecimento de execução de obrigação de fazer (CPC, art. 461), cabe ao proponente da demanda a escolha da via processual que melhor se adapta à sua pretensão. É "que os princípios da instrumentalidade, da celeridade e da economicidade do processo recomendam que se aproveite e se dê validade à ação aforada pelo autor" (AC n. 2003.012715-1, de São João Batista)." (TJSC, Ap. Cív. nº 2004.025078-9, de São João Batista, rel. Des. Rui Fortes, j. 9.11.2004)

Assim, vencida a questão quanto à possibilidade de concessão da tutela antecipatória de mérito na ações de obrigação de fazer e não-fazer, cumpre, neste comenos, aferir, no caso concreto, se presentes ou não os requisitos autorizadores do provimento antecipado.

Sabe-se que a concessão da tutela específica antecipadamente pressupõe, a teor do disposto no art. 461, § 3º, do CPC, a presença concomitante de dois pressupostos, quais sejam, a relevância da fundamentação e o justificado receio de ineficácia do provimento final.

Comentando o assunto, Teori Albino Zavascki anota:
"Trata o § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil da concessão da tutela por liminar ou mediante justificação prévia, citado o réu. Para que tal ocorra, supõe a lei dois requisitos: (a) relevância dos fundamentos e (b) risco de ineficácia do provimento final. São os mesmos previstos no art. 7º, II, da Lei n. 1.533, de 1951, que dão ensejo à concessão de medida liminar em mandado de segurança. (...) Com efeito, 'fundamento relevante' é enunciado de conteúdo equivalente a 'verossimilhança da alegação', e 'justificado receio de ineficácia do provimento final' é expressão que traduz fenômeno semelhante a 'fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.'" (Antecipação de tutela. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 152)
Note-se que em casos análogos ao presente, a orientação jurisprudencial desta Câmara tem sido no sentido de que o consumidor tem direito de obter das concessionárias de serviço público as informações acerca de dados pessoais e de consumo, constantes nos arquivos e registros mantidos sob a guarda da concessionária.

Nesse prisma, extrai-se da jurisprudência:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. APRESENTAÇÃO DE RELATÓRIOS CONCERNENTES AO PAGAMENTO DAS FATURAS DE ENERGIA ELÉTRICA DO ÚLTIMO QÜINQÜÊNIO. DIREITO DO CONSUMIDOR. DECISÃO CONCESSIVA. RECURSO DESPROVIDO.

O artigo 43 do CDC resguarda o direito de "acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele [consumidor], bem como sobre as suas respectivas fontes." O direito à informação, insculpido na Lei nº 8.078/90 como direito básico do consumidor, encontra amparo também na Constituição Federal, que além de prever o habeas data e sua gratuidade (art. 5º, incs. LXXII e LXXVII), alteou a defesa do consumidor ao nível de princípio da ordem econômica e financeira (art. 170, inc. V)." (TJSC, Ap. Cív. nº 2004.003920-4, de São João Batista, da relatoria do signatário)

"PROCESSUAL. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO VISANDO O CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (CPC, ART. 461). PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. APROVEITAMENTO DA ACTIO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PEDIDO DE EXIBIÇÃO DAS FATURAS PARA INSTRUIR PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DA QUANTIA INDEVIDAMENTE PAGA A TÍTULO DE TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA (TIP). DEVER DA CONCESSIONÁRIA DE EXIBIR AS FATURAS NOS LIMITES DA RESOLUÇÃO 4456/00 DA ANEEL." (TJSC, Ap. Cív. nº 2004.010193-7, de São João Batista, rel. Des. Cesar Abreu, j. 22.6.2004)

"APELAÇÃO CÍVEL - OBRIGAÇÃO DE FAZER -VALORES COBRADOS A TÍTULO DE TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - INSTRUÇÃO DE EVENTUAL AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO - DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS - SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO ANULADA - INTERESSE PROCESSUAL DEMONSTRADO." (TJSC, Ap. Cív. nº 04.025571-3, de São João Batista, rel. Des. Cláudio Barreto Dutra, j. 30.11.2004)

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - PEDIDO DE APRESENTAÇÃO DE VALORES COBRADOS A TÍTULO DE TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - PRETENSO AJUIZAMENTO DE AÇÃO REPETITÓRIA - DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS - NEGATIVA DA CELESC - CONFLITO COM INSTRUÇÃO NORMATIVA DA ANEEL - RECURSO DESPROVIDO." (TJSC, Ap. Cív. nº 2004.024541-6, de São João Batista, rel. Des. Rui Fortes, j. 28.92004)

Ademais, inegavelmente, tornam-se aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor, haja vista a relação de consumo existente entre a fornecedora do serviço de telefonia e as agravadas/consumidoras.

Assim, também, o artigo 43 do CDC resguarda o direito de "acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele [consumidor], bem como sobre as suas respectivas fontes."
O direito à informação, insculpido na Lei nº 8.078/90 como direito básico do consumidor, encontra amparo também na Constituição Federal, que além de prever o habeas data e sua gratuidade (art. 5º, incs. LXXII e LXXVII), alteou a defesa do consumidor ao nível de princípio da ordem econômica e financeira (art. 170, inc. V).

Desta feita, pelos motivos explanados, há verossimilhança suficiente a amparar o pleito antecipatório.

De outra banda, o periculum in mora traduz-se no prazo prescricional, que segundo o decisum vergastado, "labora em desfavor dos autores", uma vez que pretendem, em ação judicial própria, o reembolso de valores cobrados junto às faturas de telefonia, exigindo um pronunciamento jurisprudencial célere, sob pena do provimento final não atender à pretensão deduzida inicialmente.

Satisfeitos os requisitos de existência de prova inequívoca e de verossimilhança, com possibilidade de ineficácia do provimento final, correta a decisão que concedeu a antecipação da tutela initio litis.

3. Por todo o exposto, nega-se provimento ao recurso.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Cesar Abreu e Sônia Maria Schmitz.

Florianópolis, 6 de dezembro de 2005.

PEDRO MANOEL ABREU

Presidente e Relator