Sala de Aula
X
Português

Tribunal de Justiça de Minas Gerais - Abril/2014

Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Abril de 2014

 

TJ-MG - Agravo de Instrumento Cv : AI 10148130056382002 MG

Número do 1.0148.13.005638-2/002 Númeração 0824102-

Relator: Des.(a) Estevão Lucchesi

Relator do Acordão: Des.(a) Estevão Lucchesi

Data do Julgamento: 03/04/2014

Data da Publicação: 11/04/2014

AGRAVO DE INSTRUMENTO - CAUTELAR - ARROLAMENTO BENS - LIMINAR - INDISPONIBILIDADE BENS. 1. A despeito da medida cautelar de arrolamento de bens possuir caráter conservativo, a indisponibilidade dos bens arrolados não é medida automática que se impõe, devendo ser, in casu, ponderada pelo magistrado, preservando o interesse de ambas as partes. 2. Deram provimento ao recurso. (V.V.P.).


AGRAVO DE INSTRUMENTO CV Nº 1.0148.13.005638-2/002 - COMARCA DE LAGOA SANTA - AGRAVANTE (S): AJAX CORREA RABELLO E OUTRO (A)(S), ELISA RABELLO CARVALHO, CLAUDIO CORREA RABELLO, BÁRBARA CORREA RABELLO, LÊDA CORRÊA RABELLO, FLÁVIO CORRÊA RABELLO, LAURA RABELLO CARVALHO, LUIZA MARIA CORREA RABELLO SANTOS - AGRAVADO (A)(S): JORGEMAR DIAS ROSA, INCA PARTICIPAÇÕES S/A, PLAUTO GOUVÊA, VITORIA RABELLO NOLLI, RENATA RABELLO COSTA, TRATEX CONSTRUÇÕES PARTICIPAÇÕES S/A E OUTRO (A)(S)

A C Ó R D Ã O


Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em DAR PROVIMENTO AO RECURSO, vencido em parte o Relator.

 

DES. ESTEVÃO LUCCHESI


RELATOR.

DES. ESTEVÃO LUCCHESI V O T O


Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto por AJAX CORREA RABELLO E OUTROS, na ação cautelar de arrolamento de bens que move em face de TRATEX CONSTRUÇÕES PARTICIPAÇÕES S/A E OUTROS, contra decisão de fls. 598/TJ, proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Lagoa Santa, a qual indeferiu os pedidos dos agravantes, ao fundamento de que apenas 20% do patrimônio da empresa agravada, correspondente ao valor da participação dos requerentes no capital social, fosse arrolado e apreendido (arrolamento parcial - indisponibilidade).


Em suas razões de inconformismo, alegam os agravantes, em síntese, que não há razão para o arrolamento parcial dos bens da empresa agravada, uma vez que é necessário o conhecimento da universalidade do seu patrimônio para futura apuração dos haveres em caso de dissolução. Alegam, ainda, que a medida cautelar de arrolamento não significa indisponibilidade de bens, logo, não se confunde com as medidas de arresto ou seqüestro.



Requereram a antecipação dos efeitos da tutela recursal e, ao final, o provimento do recurso. Às fls. 746-747/TJ foi concedida a antecipação dos efeitos da tutela recursal.



Devidamente intimados, os agravados apresentaram contrarrazões às fls. 754-761/TJ



Às fls. 763-766/TJ, foram apresentados embargos de declaração pela parte agravada contra decisão que deferiu a antecipação de tutela, os quais não foram acolhidos, conforme decisão de fls. 768-769/TJ.


Relatei.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.


Dispõe o art. 855 do CPC que é cabível a cautelar de arrolamento de bens sempre que houver por parte do interessado fundado receio de extravio ou dissipação dos bens da sociedade. Ademais, deve o interessado provar referida condição, bem como o seu direito aos ditos bens, in verbis:



Art. 855. Procede-se ao arrolamento sempre que há fundado receio de extravio ou de dissipação de bens.

 
(...)


Art. 857. Na petição inicial exporá o requerente:


I - o seu direito aos bens;


II - os fatos em que funda o receio de extravio ou de dissipação dos bens.


A respeito dos requisitos que devem estar presentes para propositura da ação cautelar de arrolamento de bens, colha-se a explicação da doutrina sobre o dispositivo acima transcrito:


De acordo com o inciso I do dispositivo, o autor deverá expor o seu direito aos bens que pretende ver arrolados, isto é, identificados, relacionados. A exigência justifica-se porque é a partir dela que o magistrado verificará a legitimidade do autor para a formulação do pedido. Mas não é só: o direito ao arrolamento de bens constitui também o próprio fumus boni iuris que, para todos os fins, integra o mérito a ser julgado pelo magistrado. O inciso II do art. 857 exige que o autor exponha os fatos que fundamentam o seu receio de extravio ou de dissipação dos bens a serem arrolados. A regra, consoante ao disposto no art. 855, é reveladora do periculum in mora. Sem o receio, objetivamente constatável, do extravio ou dissipação dos bens, não cabe a medida. (grifo nosso) (BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5. ed. rev. Atual. Vol 4. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 283-284)


Data vênia, o fumus boni iuris ou o efetivo direito de requerer o arrolamento dos bens, consubstancia-se na propositura da ação de dissolução da sociedade pelos sócios minoritários (agravados), ao fundamento da quebra da affectio societatis, elemento essencial nas sociedades, cuja ausência implica em dizer não ser possível conceber-se a manutenção do vínculo sem a presença de tão importante traço do contrato de sociedade.

Por conseguinte, o periculum in mora ou o fundado receio de extravio ou dissipação do patrimônio da sociedade é vislumbrado no fato de que a empresa está em pleno funcionamento, podendo os sócios majoritários dispor do patrimônio, realizando diversas transações comerciais, as quais poderão prejudicar o futuro direito de recebimento do que compete aos sócios minoritários.


Com efeito, comprovados os requisitos para concessão da medida liminar, a mesma foi deferida pelo juízo a quo, sendo interposto recurso de Agravo pela empresa ré (ora agravada) contra referida decisão.



No citado recurso de agravo, foi concedido parcial efeito suspensivo, mantendo-se o arrolamento integral dos bens da requerida, contudo, condicionou-se a limitação da indisponibilidade a 20% até a conclusão do arrolamento, desde que a empresa apresentasse a relação de todos os bens que compõem o seu patrimônio. Veja-se o trecho da referida decisão que concedeu parcial efeito suspensivo ao referido recurso:

Pelo exposto, CONCEDO PARCIALMENTE O EFEITO SUSPENSIVO, para manter a decisão agravada, possibilitando a limitação da indisponibilidade a 20% do patrimônio da empresa, desde que os agravantes forneçam a relação completa de todos os bens que compõe a sociedade para fins de arrolamento integral, possibilitando o juízo ad quo a aferição e indisponibilidade de 20%.


Nesse sentido, verifica-se que assiste razão aos agravantes em seu inconformismo, tendo em vista que na decisão ora agravada o magistrado a quo manifestou interpretação diversa do que restou decidido no Agravo de Instrumento anterior (n. 1.0148.13.005638-2/001), a qual é passível de esclarecimento.



Data vênia é cediço que a medida cautelar de arrolamento de bens tem caráter conservativo, visando à garantia de manutenção da integralidade dos bens, para fins de apurar-se a totalidade do acervo patrimonial da sociedade, para, no caso de futura dissolução, possibilitar-se o conhecimento do que compete a cada um dos sócios da empresa. Por oportuno, colham-se os esclarecimentos da doutrina acerca do instituto:


A finalidade do "arrolamento de bens" é a documentação da existência e do estado de bens, sempre que houver receio de seu extravio ou dissipação, no que é claro o art. 855. A medida não se confunde com o "sequestro" (...). É que diferentemente do que se dá para aquela medida, o arrolamento pressupõe o desconhecimento dos bens cuja conservação se pretende. É por isso que o arrolamento busca, em primeiro lugar, identifcar os bens no patrimônio do réu para, só depois, conservá-los. A ênfase da medida, destarte, repousa no conhecimento dos bens que estão na posse do réu. (grifo nosso) (BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5. ed. rev. Atual. Vol 4. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 283).


Neste diapasão, considerando que o objetivo do arrolamento é conhecer e conservar os bens objeto do litígio, a indisponibilidade destes bens arrolados não é medida automática que se impõe, uma vez que o arrolamento não se confunde com arresto ou seqüestro, como também não é passível de ser futuramente convertido em penhora.

 
Assim, para fins de esclarecer a distinção dos ditos institutos, colha-se os seguintes esclarecimentos:

[...] submete-se a admissibilidade do arrolamento à existência de interesse genérico sobre a conservação dos bens considerados em sua totalidade. Dessa feita, se o requerente almejar a preservação de específico bem litigioso até a sua efetiva entrega a quem de direito, deverá postular o seqüestro. Por outro lado, ficando o seu interesse circunscrito à indisponibilização de quaisquer bens do devedor, com intuito de garantir a via executiva para o recebimento de quantia certa, caberá a ele promover o arresto - e não o arrolamento - dos ditos bens (GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Instituições de Direito Processual Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 747) (grifo nosso).

 
Nesse sentido também já se manifestou este egrégio Tribunal de Justiça, verifique-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. APURAÇÃO DE HAVERES. LIQUIDAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DEFICIÊNCIA NA FORMAÇÃO DO INSTRUMENTO. NULIDADE DA DECISÃO AGRAVADA. QUESTÕES PRECLUSAS. ARROLAMENTO DE BENS. PAGAMENTO AO SÓCIO RETIRANTE. DESCUMPRIMENTO. PENHORA SOBRE DINHEIRO. BLOQUEIO ON LINE. REGULARIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSO NÃO PROVIDO. (...) O arrolamento de bens possui natureza cautelar e se presta à conservação de bens considerados em sua totalidade, não se equiparando ao seqüestro e ao arresto, nem se admitindo sua conversão automática em penhora. - Descumprida a obrigação judicial de pagamento ao sócio retirante, é legítimo o requerimento de que a penhora recaia preferencialmente sobre dinheiro. - Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução. - Não constitui ofensa ao princípio da menor onerosidade para o devedor, nem inviabiliza sua atividade empresarial a determinação de bloqueio on line, que se presta a efetiva garantia pela penhora para satisfação do crédito. - O exercício do direito de defesa com a argumentação que a parte entende como suficiente a embasar sua pretensão, com razoabilidade, não configura litigânc ia de má-fé, que não pode ser presumida. (grifo nosso) (Agravo de Instrumento Cv 1.0461.07.043333-3/011, Relator (a): Des.(a) José Flávio de Almeida , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/06/2013, publicação da sumula em 21/06/2013).

 

Dessa forma, este Relator, ao conceder parcial efeito suspensivo no Agravo outrora interposto pela empresa ora agravada, procurou modular a medida liminar, preservando o interesse de ambas às partes.

 

Isso porque de um lado, verifica-se que a empresa agravada é de grande porte que atua na construção de rodovias, ferrovias, aeroportos, metrôs e estruturas em geral, dentre outras atividades. Logo, a indisponibilidade de todos os seus bens poderia prejudicar e embaraçar a realização de suas atividades e o seu regular funcionamento, resultando em prejuízo para todos sócios e para a própria sociedade.

Todavia, por outro lado, tem-se a preservação do interesse dos sócios minoritários, os quais representam 20% do quadro societário, de receber os valores que lhes são devidos, na hipótese de futura dissolução da sociedade, uma vez presente o fundado receio de dissipação dos bens.


Dessa forma, considerando que se trata de empresa grande, com bens em várias Comarcas do país, a medida mais prudente é aquela que concede o arrolamento integral e a indisponibilidade dos bens, mas possibilita à empresa agravada indicar todos os bens que compõem o seu patrimônio, com o fim de limitar a indisponibilidade a 20%, sob o crivo do juízo a quo, até a conclusão da medida cautelar de arrolamento.


Diante de todo o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para determinar ao juízo de origem a adoção de todas as medidas judiciais para efetivar o arrolamento integral dos bens da empresa agravada e limitar tão somente a indisponibilidade dos bens a 20% do total do acervo, até a conclusão do arrolamento da integralidade dos bens, desde que a parte agravada forneça a relação completa de todos os bens que compõe a sociedade.

 

Custas ao final.


É o meu voto.


DES. MARCO AURELIO FERENZINI


Acompanho o voto do eminente Relator, Des. Estevão Lucchesi, para dar provimento ao agravo, porém com as seguintes considerações.


Paralelamente ao presente recurso, foi interposto, pelos ora agravados, o agravo de instrumento n. 1.0148.13.005638-2/001, contra decisão proferida pelo juízo singular, que havia deferido a liminar postulada pelos ora agravantes, determinado o arrolamento de todos os bens da agravada Tratex Construções e Participações S/A e a sua intimação para que se abstivesse de promover qualquer ato de disponibilidade dos bens de sua propriedade.


Ao apreciar o pedido de efeito suspensivo referente àquele recurso, o eminente Relator, Des. Estevão Lucchesi concedeu parcialmente o efeito suspensivo pleiteado pelos ora agravados, no sentido de manter a decisão de primeiro grau quanto ao deferimento do arrolamento integral dos bens da empresa, limitando, no entanto, a indisponibilidade dos bens a 20% do total do acervo até a conclusão do arrolamento da integralidade dos bens, desde que a parte agravada fornecesse a relação completa de todos os bens que compõe a sociedade.


No entanto, ao ser oficiado sobre a concessão parcial do efeito suspensivo, o magistrado singular, acreditando agir em atendimento à determinação do Desembargador Relator, determinou o arrolamento parcial dos bens da empresa (correspondente a 20%), ao arrepio do que havia sido determinado.

Assim, verificando o desacerto perpetrado pelo julgador singular no cumprimento da determinação provinda do Desembargador Relator, a decisão ora agravada merece reforma, para que o arrolamento dos bens da empresa seja feito de forma a compreender a totalidade dos bens.

 
No entanto, em que pese o entendimento do eminente Desembargador Relator no sentido de que a indisponibilidade dos bens arrolados deve se limitar a 20% do total do acervo, entendo, como revelado naquele recurso, que a indisponibilidade não deve sofrer qualquer limitação, devendo compreender a integralidade dos bens.

 

DES. VALDEZ LEITE MACHADO


Pedindo vênia ao i. Relator, acompanho o voto proferido pelo d. 1º Vogal, por também entender que restou comprovado o fundado receio do dano que a parte agravada poderá sofrer, em razão do extravio ou dilapidação do patrimônio da sociedade, bem como o seu interesse processual na conservação destes bens.



Assim, pedindo vênia ao d. Relator, adiro ao voto proferido pelo i. 1º Vogal para dar provimento ao agravo de instrumento, sem limitações.



SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO EM PARTE O RELATOR."