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Tribunal de Justiça de Minas Gerais - Junho/2008 - 2

Número do processo: 1.0024.08.969312-1/001(1)
Relator: IRMAR FERREIRA CAMPOS
Relator do Acordão: IRMAR FERREIRA CAMPOS
Data do Julgamento: 12/06/2008
Data da Publicação: 01/07/2008

Inteiro Teor:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE MULTA FIXADA EM LIMINAR (ASTREINTE) - NECESSIDADE DE TRÂNSITO EM JULGADO.- As astreintes, fixadas como medida de apoio da antecipação dos efeitos da tutela concedida, têm a exigibilidade suspensa até o trânsito em julgado da sentença proferida ao final da ação.

AGRAVO N° 1.0024.08.969312-1/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - AGRAVANTE(S): INEPAR EQUIPAMENTOS MONTAGENS S/A - AGRAVADO(A)(S): CONVEN SERV TRANSP GUINDASTES LTDA - RELATOR: EXMO. SR. DES. IRMAR FERREIRA CAMPOS

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO.

Belo Horizonte, 12 de junho de 2008.

DES. IRMAR FERREIRA CAMPOS - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. IRMAR FERREIRA CAMPOS:

VOTO

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão de fls. 21-TJ que, nos autos da Execução de Multa Fixada em Liminar (Astreinte), ajuizada por Inepar Equipamentos e Montagens S/A. em face de Conven Serviços Transportes e Guindastes Ltda., determinou o sobrestamento do andamento da execução da multa cominatória até o deslinde da ação principal.

Insurge-se a agravante contra referida decisão, ao argumento de que necessitava transportar um guindaste de sua propriedade e por isso contratou a agravada, mas a mesma entregou somente parte do objeto, no destino combinado, retendo, de forma ilegal, componentes e peças, sem os quais se torna impossível o funcionamento do bem em toda sua capacidade.

Alegou que a recusa da agravada em entregar o material lhe trouxe graves constrangimentos, pois a Conven Serviços Transportes e Guindastes Ltda. vendeu o guindaste a um terceiro.

Sustentou que ajuizou, perante a 27ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, a Ação de Entrega de Coisa Certa, com Pedido de Tutela Específica, nos autos nº. 0024.07.475353-4, tendo o juiz primevo concedido a liminar, determinando à agravada que entregasse o material no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) até o limite de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

Aduziu que a agravada foi citada e intimada há meses, mas até o presente momento não entregou o material, descumprindo a ordem judicial, o que levou a agravante a dar início à execução da multa, já que a mesma é exigível.

Alegou não ser necessário aguardar o trânsito em julgado da sentença confirmatória da liminar, para que se permita a execução da multa.

Sustentou que a liminar deferida visou a assegurar a eficácia da tutela definitiva a ser concedida em sede de sentença. Assim, deve ser deferida a pronta e imediata execução por descumprimento de ordem judicial.

Requereu seja dado imediato seguimento à Execução, intimando a Agravada, na pessoa de seu procurador, para pagar a quantia de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), referentes à multa por descumprimento de obrigação fixada pelo juízo. Por fim, requer que as intimações sejam publicadas única e exclusivamente em nome de seu procurador, o Sr. João Joaquim Martinelli (OAB/MG 1.796-A), determinando tal providência à serventia judicial, sob pena de nulidade.

O recurso foi recebido apenas no efeito devolutivo.

Petição fls. 274/277-TJ.

Embargos às fls. 279/280-TJ.

Decisão Monocrática indeferindo o pedido da agravante (f. 282/284-TJ).

Devidamente intimada, a agravada não apresentou contraminuta.

Conheço do recurso, presentes os requisitos de admissibilidade.

Entendo que o recurso não merece prosperar.

O cerne da questão ora debatida, portanto, cinge-se em aferir qual o momento exato para a cobrança das "astreintes", cominadas com base no artigo 461 do Código de Processo Civil em caso de não cumprimento da ordem estabelecida pelo magistrado.

Tenho para mim que para promover a execução das astreintes deve-se aguardar o trânsito em julgado da sentença final, mesmo tendo a multa sido fixada em decisão liminar.

Por razões de segurança jurídica e economia processual, entendo que a multa fixada em caráter liminar torna-se exigível apenas a partir do momento em que se verificar o trânsito em julgado da sentença que confirmar a decisão interlocutória que a fixou.

Sobre o assunto disserta Cândido Rangel Dinamarco que:
"Esses mesmos raciocínios devem presidir também ao quesito da exigibilidade das multas impostas em apoio a uma antecipação de tutela, porque enquanto houver incertezas quanto à palavra final do Poder Judiciário sobre a obrigação principal, a própria antecipação poderá ser revogada e, com ela, as astreintes. A provisoriedade das antecipações (art. 461, § 3º, parte final) é reflexo não só da sumariedade da cognição com base na qual são concedidas, mas também de seu caráter auxiliar em relação à efetividade da tutela jurisdicional - donde se infere a ilegitimidade de impor o desembolso a um sujeito que, no pronunciamento final de meritis, seja liberado da própria obrigação principal. Por isso, ainda quando a própria decisão interlocutória de antecipação de tutela fique coberta por preclusão (ausência de agravo ou exaurimento de todos os recursos inadmissíveis), a exigibilidade só acontece depois e, antes do trânsito em julgado da sentença mandamental, a execução pelas astreintes não se admite.

Em um plano bastante teórico e conceitual, até faz sentido pensar na exigibilidade do valor das multas logo que fique preclusa a própria decisão interlocutória que as concede ao antecipar a tutela, independentemente do trânsito em julgado da sentença mandamental. Ainda que ao fim do processo se verifique que o autor não tem o direito que alega, e cuja satisfação lhe fora antecipada, mesmo assim atentou contra a autoridade estatal do juiz aquele que houver descumprido a decisão antecipatória. Embora não seja a melhor, porque portadora do perigo de apenas quem não era titular de uma obrigação principal, essa solução não pecaria pelo absurdo" (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 240-241).

As astreintes devem ser computadas a partir do descumprimento da obrigação que competia à parte de acordo com a determinação do julgador. Porém, enquanto houver incertezas quanto à palavra final do Poder Judiciário sobre a obrigação principal, a própria antecipação poderá ser revogada e, com ela, as astreintes.

É o que se extrai do entendimento de Luiz Guilherme Marinoni quando afirma que a multa só pode ser cobrada após o trânsito em julgado da decisão final e desde que esta confirme a antecipação em que se cominou a medida coercitiva eis que, a coerção pretendida pela imposição da multa está na ameaça de pagamento e não na sua cobrança imediata, razão porque não caberia a execução provisória (Marinone, Luiz Guilherme. Tutela específica.., ob.cit., p. 109).

Impende destacar que a multa não visa a penalizar a parte, mas sim, conferir efetividade à ordem judicial, sendo certo que somente a partir do trânsito em julgado da sentença é que se pode executá-la, ainda que fixada em sede de liminar, muito embora sua incidência se dê a partir da data do descumprimento da ordem.

A propósito, segue lição de Fredie Didier Jr.:
"Efetivamente, somente quando o beneficiário da multa se tornar, ao fim do processo, o vencedor da demanda é que fará jus à cobrança do montante. Assim o é porque a multa é apenas um meio, um instrumento que serve para garantir à parte a tutela antecipada do seu provável direito; dessa forma, se ao cabo do processo se observa que esse direito não é digno de tutela (proteção) jurisdicional, não faz sentido que o jurisdicionado, que não é merecedor da proteção jurisdicional (fim), seja beneficiado com o valor da multa (meio)." (in Curso de Direito Processual Civil, 2ª ed. vol.2, Ed. Podivm, p.419)

Nesse sentido também leciona ANTÔNIO PEREIRA GAIO JÚNIOR, in Tutela Específica das Obrigações de Fazer, 2ª Ed., Forense, 2003, p. 62/63:
"É de se ressaltar que, em se tratando de sanção pecuniária estabelecida liminarmente, o seu termo inicial ocorrerá com o vencimento do prazo fixado pelo magistrado na referida decisão, contudo, só poderá ser exigido do devedor após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor".

Também é o que vem decidindo este e. Tribunal:
"EXECUÇÃO DE ASTREINTE FIXADA EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - PERDA DE OBJETO - PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE NA DEMANDA PRINCIPAL - NECESSIDADE DO TRÂNSITO EM JULGADO DO DECISUM. - Constitui a astreinte em uma sanção cuja exigibilidade fica condicionada ao trânsito em julgado da decisão proferida nos autos da ação principal, e, ainda, à procedência do direito buscado pelo autor." (TJ-MG; 1.0145.07.410090-3/002(1); Relator: CLÁUDIA MAIA; Data do Julgamento: 03/04/2008; Data da Publicação: 26/04/2008).

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE EXECUÇÃO - INDEFERIMENTO DA INICIAL - EXECUÇÃO - ASTREINTE FIXADA EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - INEXIGIBILIDADE. Não pode ser admitida a execução provisória da multa fixada em sede de antecipação de tutela, cuja exigibilidade tem como pressuposto o trânsito em julgado da sentença nos autos principais." (TJ-MG; Apelação Cível 1.0024.07.544719-3/001, Rel. Des. Selma Marques, Data da Publicação: 12/01/2008)

"ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA - FIXAÇÃO DE ASTREINTES - EXECUÇÃO PROVISÓRIA - NECESSIDADE DE TRÂNSITO EM JULGADO. As astreintes, fixadas como medida de apoio da antecipação dos efeitos da tutela concedida, têm a exigibilidade suspensa até o trânsito em julgado da sentença proferida ao final da ação." (TJ-MG; 1.0024.05.771099-8/012(1); Relator: VALDEZ LEITE MACHADO; Data do Julgamento: 06/03/2008; Data da Publicação: 04/04/2008).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - LIMINAR - DEFERIMENTO - MULTA ASTREINTES - COMINAÇÃO - EXIGÊNCIA A PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA - A multa pelo descumprimento da decisão judicial só passa a ser devida a partir do trânsito em julgado da sentença, pois somente neste momento é que será reconhecido o direito da parte." (TJ-MG; 1.0105.06.191637-2/002(1); Relator: OSMANDO ALMEIDA; Data do Julgamento: 21/08/2007; Data da Publicação: 07/09/2007).

No mesmo sentido é o entendimento de outros Tribunais, senão vejamos:
"APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. ASTREINTES. INEXIGIBILIDADE ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO MERITÓRIA. As astreintes fixadas para cumprimento de tutela antecipada somente são exigíveis depois do trânsito em julgado da sentença de mérito que confirme o provimento liminar concedido. Não tendo as astreintes finalidade ressarcitória, descabido cogitar de sua exigiblidade antes do trânsito em julgado da sentença, notadamente porque eventual revogação da tutela antecipada gerará, em princípio, a inexigibilidade da multa arbitrada pela decisão interlocutória. Doutrina e jurisprudência. RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME." (Tribunal de Justiça do RS; Apelação Cível Nº 70022451439, Décima Oitava Câmara Cível, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 19/12/2007)

"APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. EXECUÇÃO DE ASTREINTE FIXADA EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DO TRÂNSITO EM JULGADO DO DECISUM. Não é possível a execução provisória de multa, que tem função de astreintes, fixada em sede de antecipação de tutela. A execução da multa somente é possível após o trânsito em julgado da sentença, embora se possa exigir sua incidência a partir da data de descumprimento da ordem. As duas coisas não se confundem. Uma é a execução e a outra é o dies a quo de exigibilidade. Precedentes deste Tribunal. RECURSO DESPROVIDO." (Tribunal de Justiça do RS; Apelação Cível Nº 70012173563, Segunda Câmara Cível, Relator: Arno Werlang, Julgado em 12/04/2006).

"Prestação de serviços de telefonia. Obrigação de fazer. Incabível a execução das astreintes fixadas em tutela antecipada antes do trânsito em julgado da sentença que confirmou a decisão provisória. Correta decisão mantida. Agravo do consumidor a que se nega provimento." (Tribunal de Justiça de São Paulo; Agravo de Instrumento 1107812800; Relator(a): Campos Petroni; Comarca: Comarca não informada; Órgão julgador: 27ª Câmara do D.QUARTO Grupo (Ext. 2° TAC); Data do julgamento: 24/04/2007; Data de registro: 26/04/2007).

Observe-se que a multa diária não se reveste de índole indenizatória, ressarcitória, compensatória ou reparatória. Em vista disso, Luiz Guilherme Marinoni diz que a multa diária
"serve apenas para pressionar o réu a adimplir a ordem do juiz, motivo pelo qual não parece racional a idéia de que ela deva reverter para o patrimônio do autor, como se tivesse algum fim indenizatório. A multa não se destina a dar ao autor um plus indenizatório ou algo parecido com isso; seu único objetivo é garantir a efetividade da tutela jurisdicional." (Tutela Inibitória (individual e coletiva), 2ª ed., Revista dos Tribunais, 2000, pág. 179)

Logo, não tendo por escopo ressarcir a parte autora, descabido falar na exigibilidade da multa cominatória antes do trânsito em julgado da sentença, notadamente porque eventual revogação da decisão interlocutória que deferiu a liminar para a Ré entregar os equipamentos devidos poderá gerar a inexigibilidade das astreintes arbitradas.

Dessa forma, como o dever da prática do ato por parte da agravante só restará confirmado através da prolação da sentença, apenas a partir do seu trânsito em julgado é que se tem por exigível a multa, pois até então referida exigibilidade ainda é questionável, em respeito aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal.

Por tais razões, nego provimento ao recurso, mantendo na íntegra a decisão objurgada.

Custas recursais, ex lege.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): LUCIANO PINTO e MÁRCIA DE PAOLI BALBINO.

SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

AGRAVO Nº 1.0024.08.969312-1/001