Tribunal de Justiça de Minas Gerais - Fevereiro/2017
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS
Relator: Des. Marcos Lincoln
Órgão Julgador / Câmara: 11ª CÂMARA CÍVEL
Súmula: JULGAR PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO
Data de Julgamento: 15/02/0017
Data da publicação da súmula: 17/02/2017
EMENTA: RECLAMAÇÃO. TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. SÚMULA Nº 54 DO STJ. DESCUMPRIMENTO. OFENSA À JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PROCEDÊNCIA. 1. A reclamação constitui medida judicial destinada a preservar a competência dos tribunais e garantir a autoridade de suas decisões, a fim de se estabelecer a ordem e a segurança jurídica. 2. Consoante o enunciado contido na Súmula nº 54 do STJ, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual. 3. Constatando-se que a Turma Recursal do Juizado Especial contrariou o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, a procedência da reclamação é medida que se impõe.
RECLAMAÇÃO Nº 1.0000.16.032293-9/000 - COMARCA DE UBERABA - RECLAMANTE(S): ANDREZZA LUIZA DA COSTA - RECLAMADO(A)(S): 1 TURMA RECURSAL DA COMARCA DE UBERABA - INTERESSADO: TIM CELULAR
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em JULGAR PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO.
DES. MARCOS LINCOLN
RELATOR.
DES. MARCOS LINCOLN (RELATOR)
V O T O
Trata-se de Reclamação apresentada por ANDREZZA LUIZA DA COSTA em face do Acórdão proferido pela Primeira Turma Recursal do Juizado Especial da Comarca de Uberaba/MG.
A reclamante, em síntese, sustentou que o referido órgão julgador estaria contrariando a Súmula nº 54 do Superior Tribunal de Justiça, porque fixou como termo inicial dos juros de mora da indenização por dano moral a data da citação quando, na verdade, deveria corresponder à data do evento danoso.
Ao final, pugnou pela procedência da reclamação "para que este Tribunal promova a CASSAÇÃO do Acórdão exorbitante, proferindo novo julgamento quanto a fixação dos juros de mora ou para que determine medida adequada à solução da controvérsia, para que atendendo o disposto na Súmula 54 STJ e por se tratar de responsabilidade extracontratual, seja a contagem dos juros moratórios fixados a partir da data do evento danoso que ocorreu na data de 17/01/2011;" (sic.)
Notificada, a Primeira Turma Recursal do Juizado Especial da Comarca de Uberaba/MG prestou informações às fls. 168/170-TJ nos seguintes termos, in verbis:
"A propósito a Súmula 54 não alcança os danos morais pois seu valor foi atualizado e concretizado na data da sentença não podendo incidir MORA, portanto, retroativa à data do fato. Pois o valor é atual da sentença. Muito diferente de situações cujo prejuízo se instala preteridamente com valor no pedido, quando, então, corrige-se o capital com juros de mora.
Em assim sendo, data vênia, nada há de confronto com a decisão com a Súmula invocada, senão por interpretação subjetiva por interesse da Reclamante, reitero vênia." (sic.)
O Procurador de Justiça, Dr. Geraldo de Faria Martins da Costa, por delegação do Procurador-Geral de Justiça, em parecer de fls. 174/175-TJ, opinou pela procedência da reclamação.
É o relatório.
Decido.
Em primeiro lugar, cumpre realçar que o Superior Tribunal de Justiça editou a Resolução STJ/GP nº 3, com o seguinte teor:
"Art.1º Caberá às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciado das Súmulas do STJ, bem como para garantir a observância de precedentes.
Art. 2º Aplica-se, no que couber, o disposto nos arts. 988 a 993 do Código de Processo Civil, bem como às regras regimentais locais, quanto ao procedimento da Reclamação.
Art. 3º O disposto nesta resolução não se aplicada às reclamações já distribuídas, pendentes de análise no Superior Tribunal de Justiça.
Art. 4º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação."
Dessa forma, a competência para dirimir divergência entre acórdão proferido por Turma Recursal do Juizado Especial e a jurisprudência do STJ foi delegada para os Tribunais de Justiça.
Assim, impõe-se sejam observadas as disposições dos artigos 988 e seguintes do Novo CPC, bem como o Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça.
Como cediço, a reclamação se destina a preservar a competência dos tribunais e a garantir a autoridade de suas decisões, de modo a restabelecer a ordem e a segurança jurídica, a teor do artigo 988 do Novo CPC, in verbis:
"Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I - preservar a competência do tribunal;
II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;
III - garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
IV - garantir a observância de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência."
A propósito, sobre o tema, Antônio Pereira Gaio Júnior ensina:
A preservação da autoridade das decisões e diga-se, com o exato cumprimento, quer seja ela proferida em instância originária, quer em sede de recursos ordinário ou extraordinário, pelo STF; ou ainda, em instância originária, por meio dos recursos ordinário ou especial, pelo STJ, é de fundamental importância para a própria harmonização do sistema judicial pátrio e ainda, consolida-se a segurança jurídica decorrentes decisões do Poder Judiciário.
Encontra-se lugar neste compasso, o importante manejo da Reclamação como instrumento processual viável a garantir a autoridade das decisões jurisdicionais. (GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Direito, Processo e Desenvolvimento: Pacto de Estado e a Reforma do Judiciário. In: Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor, Vol..19, fev/mar., Magister : Porto Alegre, 2008, p.31-34. )
Por sua vez, Gilmar Ferrreira Mendes leciona:
"Como se vê, a definição de sua natureza jurídica não constitui tarefa fácil, por inexistir consenso na doutrina e jurisprudência. Pacificado está somente o entendimento de se tratar a reclamação de medida jurisdicional, pondo fim à antiga discussão de que a reclamação constituiria mera medida administrativa. Tal entendimento se deu quando o instituto era identificado como correição parcial, mas, como explicita Marcelo Navarro Dantas, o fato de a jurisprudência do STF reconhecer, na reclamação, seu poder de produzir alterações em decisões tomadas em processo jurisdicional e da decisão em reclamação produzir coisa julgada confirmam seu caráter jurisidicional. [...]
Tal entendimento justifica-se pelo fato de, por meio da reclamação, ser possível a provocação da jurisdição, ser possível a provocação da jurisdição e a formulação de pedido de tutela jurisdicional, além de conter em seu bojo uma lide a ser solvida, decorrente do conflito entre aqueles que persistem na invasão de competência ou no desrespeito das decisões do Tribunal e, por outro lado, aqueles que pretendem ver preservada a competência e a eficácia das decisões exaradas pela Corte" (Curso de Direito Constitucional, Editora Saraiva, 4ª Edição, p. 1345/1346).
Feitas essas considerações doutrinárias, e analisando o caso em tela, verifica-se que a reclamante pretende a reforma parcial do acórdão proferido pela Primeira Turma Recursal da Comarca de Uberaba/MG (fls.108/111-TJ) para fixar como termo inicial dos juros de mora da indenização por dano moral a data do evento danoso, nos termos da Súmula nº 54 do STJ.
Pois bem.
Analisando os autos, com cuidado e atenção, deflui-se que a reclamante Andrezza Luiza da Costa ajuizou "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS" em desfavor de Tim Celular S.A., sob o fundamento de que seu nome teria sido incluído indevidamente no cadastro de inadimplentes por um débito no valor de R$ 27,10 (vinte sete reais e dez centavos).
Após regular tramitação do feito no Juizado Especial Cível da Comarca de Uberaba/MG, sobreveio a r. sentença de fls.62/66-TJ pela qual o ilustre Juiz singular julgou procedentes os pedidos e condenou a ré a pagar à autora, ora reclamante, a quantia de R$ 6.304,00 (seis mil trezentos e quatro reais) a título de indenização por danos morais, acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.
Inconformada, a autora, ora reclamante, interpôs recurso inominado (fls.68/72-TJ), pugnando pela modificação do termo inicial dos juros de mora para a data do evento danoso, conforme disposto na Súmula nº 54 do STJ.
No entanto, como relatado, a Primeira Turma Recursal da Comarca de Uberaba/MG negou provimento ao recurso, mantendo como termo inicial dos juros de mora a data da citação.
Diante disso, com a devida vênia, a referida decisão está em dissonância com o enunciado contido na Súmula nº 54 do STJ.
Isso porque, no tocante ao termo inicial dos juros de mora, a despeito de, em casos semelhantes, ter aderido ao entendimento de que, em caso de indenização por dano moral puro, deveriam incidir a partir do arbitramento, como decidido pela Ministra Isabel Gallotti, no REsp. 903258/RS, tal matéria suscitou o realinhamento de posição da Segunda Seção do STJ, a partir do julgamento REsp. 1.132.866/SP e do AgRg 1.348.066/MG de relatoria da citada Ministra, e, em reposicionamento, passei a adotar essa nova orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça.
Com efeito, como exposto na fundamentação do voto do Ministro Sidnei Beneti, pacificou-se a divergência que existia sobre a matéria, proclamando que:
"diferentemente da responsabilidade contratual, na qual a incidência de encargos moratórios a partir da inadimplência deve respeitar o que ficou convencionado, ficando a demora no acionar por conta do autor, o que, à ausência de previsão diversa ou notificação, justifica a incidência de juros moratórios legais a partir da citação (Cód. Civil/2002, art.405), na responsabilidade extracontratual, a mora se dá no momento da prática do ato ilícito e a demora na reparação do prejuízo deve ser satisfeita desde então, de modo que a incidência dos juros moratórios previstos na Lei ocorre a partir da data do evento danoso".
E continua:
"Acrescente-se que a adoção da orientação diversa, constante do voto da E.Relatora, do início da fluência a partir do trânsito em julgado, incentivaria o recorrismo por parte dos devedores em geral e tornaria o lesado, cujo dano sofrido já tinha o devedor obrigação de reparar desde o advento do ato ilícito, obrigado a, em muitos casos, suportar manobras processuais protelatórias, no sentido de postergar o momento definitivo da fixação da condenação, adiando a incidência de juros moratórios."
Portanto, em se tratando de ato ilícito, os juros moratórios referentes à indenização por danos morais devem fluir desde a data do evento danoso, nos termos da Súmula nº 54 do STJ.
Em assim sendo, tendo em vista que a reclamante comprovou suas alegações, mormente o descumprimento do enunciado contido na Súmula nº 54 do Superior Tribunal de Justiça, a procedência da reclamação é medida que se impõe.
Ante o exposto, com fundamento no artigo 992 do Novo CPC, JULGA-SE PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO para reformar o acórdão de fls.108/111-TJ a fim de fixar como termo inicial dos juros de mora da indenização por dano moral a data do evento danoso (17/01/2011).
Sem custas e honorários.
DES. ALBERTO DINIZ JUNIOR - De acordo com o(a) Relator(a).
DESA. MÔNICA LIBÂNIO ROCHA BRETAS - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "JULGAR PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO."