Sala de Aula
X
Português

Tribunal de Justiça de São Paulo - Março/2015

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Data de publicação: 12/03/2015

 

Registro: 2015.0000149474

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1001473-20.2014.8.26.0032, da Comarca de Araçatuba, em que são apelantes JOÃO BARBOSA DE MOURA (JUSTIÇA GRATUITA) e MANOELA MARIA DE MOURA, são apelados JACIRA BARBOSA DE MOURA (JUSTIÇA GRATUITA), ANTONIO CARLOS BARBOSA DE MOURA (JUSTIÇA GRATUITA), ROSA MARIA BARBOSA LAUS (JUSTIÇA GRATUITA), MARINA BARBOSA DE MOURA (JUSTIÇA GRATUITA), OLIVIA DOS SANTOS PEDRO (JUSTIÇA GRATUITA), VIRGILINO LOPES DOS SANTOS NETO (JUSTIÇA GRATUITA), CLEUSA LOPES DOS SANTOS (JUSTIÇA GRATUITA), CLARICE ALVES PEREIRA (JUSTIÇA GRATUITA), SEBASTIÃO PEDRO (JUSTIÇA GRATUITA), DEUGISO ALVES PEREIRA (JUSTIÇA GRATUITA), HELIO LEÃO DE MOURA (JUSTIÇA GRATUITA), MARIA APARECIDA DELFINO DE MOURA (JUSTIÇA GRATUITA), ELZA LEÃO DE MOURA (JUSTIÇA GRATUITA), EUNICE LEÃO DE MOURA BATISTA (JUSTIÇA GRATUITA), JOAQUIM GERALDO BATISTA (JUSTIÇA GRATUITA), ANDRE FERNANDES DE MOURA (JUSTIÇA GRATUITA) e SINESIO LEÃO FLORES (JUSTIÇA GRATUITA).

ACORDAM, em 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LUIZ ANTONIO DE GODOY (Presidente sem voto), CHRISTINE SANTINI E CLAUDIO GODOY.

São Paulo, 10 de março de 2015.

Rui Cascaldi

RELATOR

Assinatura Eletrônica

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº: 31137

APEL.Nº: 1001473-20.2014.8.26.0032

COMARCA: ARAÇATUBA

APTES. : JOÃO BARBOSA DE MOURA e MANOELA MARIA DE

MOURA

APDOS. : JACIRA BARBOSA DE MOURA, ANTONIO CARLOS

BARBOSA DE MOURA, ROSA MARIA BARBOSA LAUS, MARINA

BARBOSA DE MOURA, OLÍVIA DOS SANTOS PEDRO, VIRGILINO LOPES DOS SANTOS NETO, CLEUSA LOPES DOS SANTOS,

CLARISSE ALVES PEREIRA, SEBASTIÃO PEDRO, DEUGISO

ALVES PEREIRA, HÉLIO LEÃO DE MOURA, MARIA APARECIDA

DELFINO DE MOURA, ELZA LEÃO DE MOURA, EUNICE LEÃO DE MOURA BATISTA, JOAQUIM GERALDO BATISTA, ANDRÉ

FERNANDES DE MOURA e SINÉSIO LEÃO FLORES

JUIZ : FERNANDO AUGUSTO FONTES RODRIGUES JÚNIOR

ANULATÓRIA Sentença que julgou procedente a ação, para declarar a nulidade de processo de usucapião, inclusive sentença, carta de sentença e registro do bem usucapido Réus que ajuizaram uma segunda ação de usucapião, muito após a primeira ter sido julgada improcedente Ausência de citação dos autores, necessária para o deslinde da situação fática Processo eivado de nulidades Partes são parentes e já litigavam há muito tempo pelo reconhecimento da usucapião de ascendente, pelo que configurada estaria a posse desta última sobre o terreno, objeto do litígio na ação de origem Réus que, não logrando êxito em ação anterior de usucapião, nem em sede de embargos de terceiros, intentaram nova ação sem sequer mencionar os réus Presente interesse de agir dos autores, que necessitam do poder judiciário para ver declarada a nulidade da decisão que reconheceu a propriedade dos réus, decisão que já está apta a gerar efeitos, porquanto já expedida carta ao cartório para o reconhecimento da propriedade perante o registro do bem Ação anulatória, e não rescisória, é o meio apto para a aferição de nulidade decorrente de ausência de citação necessária ao deslinde do feito

Inteligência do art. 486 do Código de Processo Civil Decisão mantida por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 252 do Regimento Interno deste Tribunal Precedentes Recurso não provido.

Cuida-se de apelação interposta em face da sentença de fls. 342/346, que julgou procedente a ação anulatória, para declarar a nulidade do processo de usucapião nº 032.01.2006.009660-4, inclusive sentença, carta de sentença e registro, condenando os requeridos no pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que foram fixados em 15% (quinze por cento) do valor da causa, atualizado, observando-se os benefícios da Lei nº 1.060/50, concedidos aos requeridos.

Recorrem os réus informando que, em 2 (duas) ocasiões diferentes, ingressaram com ação de usucapião, tendo êxito na segunda vez, por meio da ação ajuizada no ano de 2006 (ação nº 032.01.2006.009660-4), a qual transitou em julgado em 2008, sendo impossível que os autores, ora apelados, apenas em 2014, tenham tido conhecimento da ação de usucapião que se pretende anular. Suscitam a preliminar de falta de interesse de agir e a de impossibilidade jurídica do pedido. Aduzem que os apelados pretendem, na verdade, rescindir o próprio feito executivo, o que não se coaduna com o disposto no art. 486 do Código de Processo Civil, alegando que a ação adequada para obter a prestação jurisdicional pretendida, com supedâneo no art. 485V, do mesmo diploma normativo, é a rescisória, a qual não mais caberia a esta altura, por terem se passado mais de 2 (dois) anos do referido trânsito em julgado.

Pugnam pelo provimento do apelo e a condenação dos apelados nos ônus sucumbenciais, arbitrando-se a honorária em 20% (vinte por cento) do valor da causa.

Os apelados, às fls. 366/372, apresentaram contrarrazões, pugnando pela manutenção do decisum recorrido.

O recurso foi recebido e processado em seus regulares efeitos, exceto quanto à tutela concedida na origem (para suspender, provisoriamente, os efeitos da ação nº 642/06, que tramita perante a 3ª Vara Cível da Comarca de Araçatuba e carta de sentença), que foi recebida apenas no efeito devolutivo.

É o sucinto relatório.

A irresignação dos apelantes não prospera, porquanto estes não ofereceram argumento algum capaz de alterar os fundamentos da decisão apelada, da lavra do MM. Juiz Fernando Augusto Fontes Rodrigues Júnior, razão pela qual são estas adotadas como razão de decidir, nos seus exatos termos:

“Vistos.

JACIRA BARBOSA DE MOURA E OUTROS moveram ação de anulação de ato judicial, com cancelamento de registro público, contra JOÃO BARBOSA DE MOURA E OUTRA.

Alegam que: os requeridos ajuizaram ação de usucapião junto à 3a. Vara Cível local; no processo os autores não foram citados; ocorre que as partes são filhos, noras e netos de Maria Piedade, quem tinha a posse do imóvel até seu falecimento; são então, herdeiros e com direito à posse; foi aberto inventário e o bem arrolado; anteriormente, os requeridos procuraram obter a posse por usucapião, e a ação foi julgada improcedente em todas as instâncias; os requeridos ajuizaram embargos de terceiro com relação ao inventário e também foi julgado improcedente; não poderiam repetir a ação de usucapião e não o fazer em proveito dos herdeiros, ou de promover a citação dos mesmos; são herdeiros necessários de Maria Piedade; existe nulidade da ação. Pediram a procedência da ação. Juntaram documentos.

A tutela antecipada foi deferida, em caráter cautelar. Os requeridos foram citados e apresentaram contestação nos seguintes termos: carência de ação; falta de interesse de agir; coisa julgada; defeito de representação; desde 1992, os requeridos vem exercendo a posse e pagando os tributos do imóvel; os requeridos estão zelando pelo imóvel desde então; impossibilidade jurídica do pedido; ação seguiu todos os seus trâmites, com citações e atos processuais; não é caso de tutela. Pediram a improcedência da ação. Juntaram documentos.

Houve réplica. As partes especificaram provas.

É o relatório.

D E C I D O.

Não é caso de irregularidade de representação. Todos os interessados apresentaram procuração e declaração de pobreza, como se verifica de fls. 23/57. No mais, a impugnação à justiça gratuita deveria ser apresentada na forma da lei.

Não é caso de falta de interesse de agir. Basta dizer que os requeridos precisam do Judiciário para a declaração de nulidade.

No mais, não é caso de coisa julgada. Tem-se admitido a ação de nulidade de processo, "querela nullitatis", quando se considera a inexistência de pressuposto processual, como no caso, em que se alega falta de inclusão de litisconsorte necessário, seja no polo ativo, ou no polo passivo, com a necessária citação. Na inicial, cita-se doutrina a respeito, e não se trata de caso específico para a ação rescisória. Assim, a oposição de coisa julgada não se mostra apropriada. Existe possibilidade jurídica do pedido, pois a lei não exclui a possibilidade de ajuizamento da ação. Em última análise, verifica-se em tese, afronta aos princípio básicos do processo (devido processo legal), que tomam a citação e regras processuais como necessárias para a existência e validade do processo.

O feito comporta julgamento antecipado, porque desnecessária a produção de outras provas, de maneira que se passa a decidir diretamente do pedido (art. 330, do CPC).

A ação é procedente.

Trata-se de ação em que se procura o reconhecimento de nulidade de processo (ação de usucapião), obstando e cancelando o registro de carta de sentença que reconheceu a propriedade dos requeridos. Fala-se que os autores são herdeiros necessários de Maria Piedade, que era a pessoa que exercia a posse da área até seu falecimento em 21.12.1984, depois sucedida por seus herdeiros.

Pois bem. Os autores e os requeridos são herdeiros necessários de Maria Piedade, pessoa que exercia a posse de imóvel rural até seu falecimento. Os requeridos não contestaram expressamente essa alegação, que vem acompanhada das informações constantes dos documentos juntados com a inicial. Acrescente-se que possuem o mesmo sobrenome Moura, o que indica que provém da mesma família. Vale, e de que essa pessoa é que exercia a posse anteriormente e transmitiu as partes. Veja que os requeridos não alegam que receberam a posse de outra pessoa, e sequer precisam a origem da mesma.

Cabia aos mesmos impugnar especificamente os fatos narrados na inicial, nos termos do artigo 302, do CPC. Toma-se, então, esses fatos como certos, o que leva a conclusão de que as partes são herdeiras de Maria Piedade, pessoa que exercia a posse do imóvel anteriormente.

Consequência disso é que os autores deveriam ser incluídos na polo ativo da ação de usucapião em litisconsórcio necessário. Em princípio, o herdeiro que exerce a posse o faz em nome da comunhão. A falta de inclusão de litisconsorte necessário nulifica o processo.

Na sentença anterior de usucapição, contestada pelos herdeiros, restou salientado: "Com efeito. A posse que o Autor sucedeu sobre a área usucapienda foi a que sua genitora sobre essa área detinha e, com a morte dela, a posse em questão aproveitou a todos os seus herdeiros ora contestantes, e não somente a ele, Autor" (fls. 119). A ação foi julgada extinta, sem julgamento de mérito, e foi confirmada em Superior Instância (fls. 121 e ss.), com a fundamentação citada.

Não fosse assim, argumentando-se que os requeridos passaram a ter posse de dono e não mais de herdeiro, há de se convir que no mínimo, os autores seriam interessados certos, dada a existência do inventário, com arrolamento expresso do bem usucapido.

E tal condição não poderia ser ignorada pelos requeridos. Ora, ajuizaram anteriormente ação de usucapião e embargos de terceiro com relação ao inventário (fls. 123 e ss.).

O artigo 942, do Código de Processo Civil, prevê que serão necessariamente citados o proprietário e confinantes, e os demais, réus em lugar incerto e dos eventuais interessados por edital.

O citado artigo deve ser interpretado diante da situação concreta. Os autores não podem ser considerados réus em lugar incerto, pois possuíam endereço certo, como consta do inventário e da ação anterior. No mais, sequer foram nominados na ação. Também não podem ser considerados "eventuais interessados", pois o interesse dos mesmos já se encontrava expresso da ação de usucapião e inventário, e também da ação de embargos de terceiro. Resulta, a contrário senso, que deveriam figurar como réus na ação e devidamente citados.

A falta de inclusão dos autores no processo como réus, por esse lado, acarreta igualmente a nulidade do processo de usucapião, pois a pretensão prejudicaria diretamente o interesse que anteriormente haviam manifestado e era do conhecimento dos requeridos. Da mesma forma, a inexistência de citação válida como réus certos e em lugar conhecido. Acrescente-se que não era caso de citação por edital, porque não se encontram presentes as hipóteses do artigo 231, do CPC.

Como citado na inicial, a "querela nullitatis ou actio nullitatis", serve justamente para esses casos em que a parte deveria ser incluída no processo e não foi, sequer sendo citada para exercer sua defesa. Confira-se:

"Assim, o meio autônomo adequado de declarar que a sentença, ainda que materialmente existente, se faz ineficaz no plano jurídico, dado a existência de um grave vício de forma, como no caso da ausência ou nulidade da citação no processo à qual foi ela proferida, será através da querela nullitatis ou actio nullitatis. Não estará ela sujeita a qualquer prazo prescricional, [...], visto que sequer se operou a formação, de maneira completa, da relação jurídica processual, consoante as dicções tanto de validade do próprio processo (art. 214, caput) como também os efeitos operados sobre a pessoa do réu (art. 263)." GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. A efetiva aplicabilidade da Querela Nullitatis.

Diante do exposto, julgo PROCEDENTE a ação para o fim de declarar a nulidade do processo de usucapião citado na inicial, inclusive sentença, carta de sentença e registro. Oportunamente, oficie-se. Fica resolvido o mérito nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC. Confirma-se a tutela antecipada.

Condeno os requeridos no pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 15% do valor da causa, atualizado. Porém, dispenso-os de pagamento por serem beneficiários da Justiça Gratuita, com as ressalvas da lei.

P. R. I.” (fls. 342/346)

Segundo o art. 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em vigor desde 04 de novembro de 2009, "nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la". Quanto a isso, já se pronunciou o E. STJ, no julgamento o Recurso Especial nº 662.272-RS, da relatoria do Min. João Otávio de Noronha, in verbis:

“PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO PROFERIDO EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS. RATIFICAÇÃO DA SENTENÇA. VIABILIDADE. OMISSÃO INEXISTENTE. ART. 535II, DO CPC. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. 1. Revela-se improcedente suposta ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem, ainda que não aprecie todos os argumentos expendidos pela parte recorrente, atém-se aos contornos da lide e fundamenta sua decisão em base jurídica adequada e suficiente ao desate da questão controvertida. 2. É predominante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em reconhecer a viabilidade de o órgão julgador adotar ou ratificar o juízo de valor firmado na sentença, inclusive transcrevendo-o no acórdão, sem que tal medida encerre omissão ou ausência de fundamentação no decisum. 3. Recurso Especial não-provido."

(REsp 662272/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2007, DJ 27/09/2007 p. 248) (destaquei em negrito)

No mesmo sentido, REsp nº 641.963-ES, 2ª T., rel. Min. Castro Meira; REsp nº 592.092- AL, 2 T., rel. Min. Eliana Calmon e REsp nº 265.534-DF, 4 T., rel. Min. Fernando Gonçalves.

Pelo exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso.

RUI CASCALDI

Relator