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Tribunal de Justiça de Santa Catarina - Fevereiro/2019

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA (Fev/2019)

 

Agravo de Instrumento n. 4007450-87.2017.8.24.0000, de São José

 

Relator: Desembargador Raulino Jacó Brüning

 

  AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. 1. VENDA DE VEÍCULO FINANCIADO. QUITAÇÃO INTEGRAL DO CONTRATO PERANTE À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AUSÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DO AUTOMÓVEL. IMPOSIÇÃO DE ASTREINTE EM MEDIDA LIMINAR. 2. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE SENTENÇA. DECISÃO QUE DETERMINOU O PAGAMENTO DA QUANTIA DEVIDA A TÍTULO DE MULTA. 3. RECURSO DA CASA BANCÁRIA. 3.1. ALEGADO O DESCABIMENTO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, PORQUANTO EMBASADO EM DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 520 e 537, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. 3.2. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DOCUMENTOS NECESSÁRIOS À TRANSFERÊNCIA DO BEM. RESPONSABILIDADE PELA ENTREGA DO DUT, APÓS QUITAÇÃO DAS PARCELAS, ATRIBUÍDA À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1º, I, DA LEI N. 11.649/2008. 3.3. ASTREINTES. PEDIDO DE EXCLUSÃO OU MINORAÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. SANÇÃO DE CARÁTER COERCITIVO, QUE VISA EVITAR O DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL E, POR ISSO MESMO, DEVE SER ARBITRADA EM VALOR SIGNIFICATIVO. MANUTENÇÃO DA MULTA DIÁRIA EM R$1.000,00. 3.4. DEMANDADA QUE SUSTENTA A NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AO DETRAN PARA TRANSFERÊNCIA DO VEÍCULO. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO, AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. MAGISTRADA QUE DEFERIU A MEDIDA NO CURSO DO PROCESSO. 4. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO PELO ÓRGÃO ESTADUAL, CUJA DATA DE REALIZAÇÃO É O TERMO FINAL DA SANÇÃO IMPOSTA. 5. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS RECURSAIS INCABÍVEIS, NA ESPÉCIE. 6. APLICAÇÃO DE MULTA AOS RÉUS NO MONTANTE DE 20% SOBRE O VALOR DA CAUSA, POR ATENTADO AO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO. EXEGESE DO ARTIGO 77, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 6. RECURSO CONHECIDO PARCIALMENTE E, NESTA PORÇÃO, DESPROVIDO.

 

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Intrumento n. 4007450-87.2017.8.24.0000, da Comarca de São José, em que são agravantes Banco PSA Finance Brasil S.A. e PSA Finance Arrendamento Mercantil S.A. e agravado José Nei Candido Jovino:

 

           A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por meio eletrônico, por votação unânime, conhecer parcialmente do recurso e, nesta porção, negar-lhe provimento. Outrossim, de ofício, aplicar multa aos réus de 20% sobre o valor da causa, nos termos do § 2º do artigo 77 do Código de Processo Civil de 2015, em favor do Estado. Custas legais.

 

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido por este Relator e dele participaram os Desembargadores Gerson Cherem II e Rosane Portella Wolff.

 

           Florianópolis, 28 de fevereiro de 2019.

 

[assinado digitalmente]

Desembargador Raulino Jacó Brüning

PRESIDENTE E RELATOR

 

 

           RELATÓRIO

 

           Na Comarca de São José, José Nei Candido Jovino ajuizou ação de obrigação de fazer com pedido de danos morais em face de Banco PSA Finance Brasil requerendo, em suma, a transferência da propriedade do veículo, objeto do contrato de financiamento firmado entre as partes, perante o órgão estadual de trânsito, porque integralmente quitado o arrendamento mercantil anteriormente concedido pela requerida (fls. 14/34).

 

           Em sede de tutela antecipada, a Togada a quo determinou que a instituição financeira procedesse à transferência do bem em 5 dias, sob pena de multa diária no valor de R$500,00 (fls. 87/89). Interposto agravo de instrumento contra tal decisão (fl. 92/130), de n. 2014.030508-2, o mesmo teve o seguimento negado (fl. 184).

 

           Ato contínuo, noticiando-se nos autos o descumprimento da medida, sobreveio a seguinte decisão (fl. 206):

 

    Diante da petição de páginas 190/192, dando conta do descumprimento da medida liminar deferida nestes autos, mesmo após ter o Tribunal de Justiça negado liminarmente o seguimento do recurso interposto, determino intimação do réu para que proceda à transferência do veículo para o nome do requerente, no prazo de 03 (três) dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais).

 

           Inconformada, PSA Finance Arrendamento Mercantil S.A. interpôs o agravo de instrumento n. 0033618-34.2016.8.24.0000, sustentando que: a) não é cabível multa diária no caso concreto; b) o prazo concedido pela Juíza foi exíguo; c) o quantum fixado ultrapassa a finalidade das astreintes, ensejando o enriquecimento sem causa do agravado; d) deve ser imposto limite máximo à verba pelo não cumprimento da decisão. O pedido de efeito suspensivo foi indeferido (fls. 227/231).

 

           Antes do julgamento do referido recurso - o qual, aliás, não foi conhecido -, José Nei Candido Jovino deu início ao cumprimento provisório de sentença n. 0302464-92.2014.8.24.0064/01, objetivando a cobrança do montante de R$726.456,97 a título de multa (fls. 237/241). A Magistrada a quo determinou a intimação do executado, ora agravante, para efetuar o pagamento do débito, no prazo de 15 dias, sob pena de incidência de multa de 10%, nos termos do §1º do art. 523 do Novo Código de Processo Civil (fls. 262/263).

 

           Desta decisão PSA Finance Arrendamento Mercantil S.A. e Banco PSA Finance Brasil S.A. interpõem o presente agravo de instrumento, sustentando que: a) o cumprimento de sentença provisório carece de título executivo judicial, pois a cobrança da multa baseia-se em liminar concedida no despacho inicial, objeto do Agravo de Instrumento n. 0033618-31.2016.8.24.0000 ainda pendente de julgamento, e não em sentença; b) ademais, é impossível o cumprimento da obrigação pelo banco, por ausência da documentação necessária (DUT), devendo a astreinte ser afastada; c) há necessidade de expedição de ofício ao DETRAN para que efetue a baixa no gravame, sem imposição de multa à instituição financeira; d) subsidiariamente, afirma a onerosidade excessiva da multa, devendo obedecer ao princípio da razoabilidade (fls. 1/11).

 

           A Câmara Civil Especial indeferiu o efeito suspensivo (fls. 278/279).

 

           Em 23/06/2017, a decisão agravada foi parcialmente reformada, em juízo de retratação, apenas para receber o cumprimento de sentença como cumprimento provisório de sentença, nos termos dos arts. 537, §3º e 297, ambos do Código de Processo Civil de 2015 (fl. 45 daqueles autos).

           Sem contraminuta (fls. 281/282).

           VOTO

 

           Do recurso

 

           O recurso é tempestivo (fls. 263 e 267) e está munido de preparo (fls. 12/13).

 

           No mérito propriamente dito, os recorrentes suscitam argumentos desprovidos de fundamentos jurídicos capazes de sustentá-los.

 

           Passa-se à análise nos tópicos a seguir.

 

           a) Do cumprimento provisório de sentença - execução de astreinte fixada em decisão interlocutória

 

                 Sobre o cumprimento provisório de sentença, dispõe o Novo Código de Processo Civil, in verbis:

 

    Art. 520.  O cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo será realizado da mesma forma que o cumprimento definitivo, sujeitando-se ao seguinte regime:

 

    I - corre por iniciativa e responsabilidade do exequente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido;

 

    II - fica sem efeito, sobrevindo decisão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidando-se eventuais prejuízos nos mesmos autos;

 

    III - se a sentença objeto de cumprimento provisório for modificada ou anulada apenas em parte, somente nesta ficará sem efeito a execução;

 

    IV - o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem transferência de posse ou alienação de propriedade ou de outro direito real, ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos.

 

    § 1o No cumprimento provisório da sentença, o executado poderá apresentar impugnação, se quiser, nos termos do art. 525.

 

    § 2o A multa e os honorários a que se refere o § 1o do art. 523 são devidos no cumprimento provisório de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa.

 

    § 3o Se o executado comparecer tempestivamente e depositar o valor, com a finalidade de isentar-se da multa, o ato não será havido como incompatível com o recurso por ele interposto.

 

    § 4o A restituição ao estado anterior a que se refere o inciso II não implica o desfazimento da transferência de posse ou da alienação de propriedade ou de outro direito real eventualmente já realizada, ressalvado, sempre, o direito à reparação dos prejuízos causados ao executado.

 

    § 5o Ao cumprimento provisório de sentença que reconheça obrigação de fazer, de não fazer ou de dar coisa aplica-se, no que couber, o disposto neste Capítulo. (grifo acrescido)

 

           "Do art. 520, caput, infere-se que o cumprimento provisório consiste no exercício da pretensão à execução fundada em 'sentença' (rectius: decisão ou pronunciamento judicial, porquanto acórdãos e decisões se afiguram exequíveis) sujeita a recurso recebido sem efeito suspensivo" (GAIO JR, Antônio Pereira. Direito Processual Civil, v.2, p. 72, apud ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 20. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 459).

 

           No mesmo sentido, colhe-se da doutrina de José Miguel Garcia Medina:

 

    Os arts. 520 ss. do CPC/2015, reunidos em capítulo denominado "do cumprimento provisório (...)", dispõem sobre o cumprimento de decisão provisória, assim considerada aquela "impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo". A execução que se dá, no entanto, é integral (isto é, pode alcançar alienação de bens do executado e entrega do dinheiro ao exequente) e, em grande medida, definitiva, no sentido de que os atos executivos não são desfeitos, embora haja direito à reparação, em caso de provimento do recurso interposto contra decisão exequenda (cf. § 4º do art. 250 do CPC/2015). (MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 809)

 

           Logo, não se trata, apenas, da hipótese de execução de sentença, abarcando também decisões interlocutórias.

 

           Ainda, dispõe o referido codex sobre a possibilidade de execução de multa fixada em tutela provisória:

 

    Art. 537.  A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

 

    § 1o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

 

    I - se tornou insuficiente ou excessiva;

 

    II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

 

    § 2o O valor da multa será devido ao exequente.

 

    § 3º  A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.                

 

    § 4o A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado.

 

    § 5o O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional. (grifo acrescido)

 

           E mais: o Agravo de Instrumento n. 0033618-31.2016.8.24.0000, interposto em face da decisão que majorou o valor da multa de R$500,00 ao dia para R$1.000,00 ao dia, não foi conhecido.

 

           Ou seja, sob qualquer ângulo as alegações dos agravantes não prosperam, porquanto cabível o presente cumprimento provisório de sentença, sendo permitido o levantamento do valor das astreintes fixadas em decisão interlocutória após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.  

 

           b) Da (im)possibilidade do cumprimento da obrigação pela instituição financeira

 

           Em suas razões recursais, os recorrentes afirmam a impossibilidade do cumprimento da obrigação diante da ausência de documentos, que deveriam ter sido enviados autenticados pelo agravado. Entretanto, à fl. 58 dos autos 0302464-92.2014.8.24.0064, percebe-se a comprovação do envio e da autenticação, como delineado pela Juíza de primeiro grau em 12/08/2013.

 

            O banco apresenta afirmações contraditórias: ora, de que não recebeu nenhum documento (fl. 212) - porque enviados para caixa postal diversa, no AR de fl. 41 dos autos principais -; ora, de que os documentos enviados em 12/08/2013 - relativos ao comprovante de fl. 58 dos autos 0302464-92.2014.8.24.0064 - apresentam pendência de reconhecimento de firma e ausência do DUT (fl. 4). Ou seja: a conclusão não é outra senão de que o banco recebeu, sim, aquilo que foi enviado.

 

           Esclarece-se, ainda, que o AR de fl. 41 mencionado é o comprovante de notificação da audiência do PROCON/SC, e não do envio da documentação pelo agravado.

 

           Ademais, quanto à ausência do DUT, ainda que verídica a alegação do banco de não recebimento, razão não lhe assiste.

 

           Colhe-se da Lei n. 11.649/2008, que disciplina a matéria:

 

    Art. 1o  Nos contratos de arrendamento mercantil de veículos automotivos, após a quitação de todas as parcelas vencidas e vincendas, das obrigações pecuniárias previstas em contrato, e do envio ao arrendador de comprovante de pagamento dos IPVAs e dos DPVATs, bem como das multas pagas nas esferas Federal, Estaduais e Municipais, documentos esses acompanhados de carta na qual a arrendatária manifesta formalmente sua opção pela compra do bem, exigida pela Lei no 6.099, de 12 de setembro de 1974, a sociedade de arrendamento mercantil, na qualidade de arrendadora, deverá, no prazo de até trinta dias úteis, após recebimento destes documentos, remeter ao arrendatário:

 

    I - o documento único de transferência (DUT) do veículo devidamente assinado pela arrendadora, a fim de possibilitar que o arrendatário providencie a respectiva transferência de propriedade do veículo junto ao departamento de trânsito do Estado. (grifo acrescido)

 

           Considerando que as parcelas do financiamento do veículo foram quitadas em 20/04/2012 (fls. 27/31), a teor do que prevê o art. 1º, I, da Lei n. 11.649/2008, a instituição financeira tinha o prazo de 30 dias úteis para entregar o DUT.

 

           A ação foi ajuizada em 21/03/2014, ou seja, quase dois anos após o término do prazo para que a obrigação, então de responsabilidade da parte agravante, fosse cumprida.

 

           Neste sentido é a jurisprudência dessa Corte:

 

    APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO COMINATÓRIA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELO INTERPOSTO POR AMBAS AS PARTES.

 

    INSURGÊNCIA COMUM. RESPONSABILIDADE PELA ENTREGA DO DOCUMENTO DE TRANSFERÊNCIA DO VEÍCULO OBJETO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. APÓS QUITAÇÃO DAS PARCELAS, A OBRIGAÇÃO PELA ENTREGA DO DUT É DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1º, I, DA LEI N. 11.649/2008. RÉ QUE, APÓS O PRAZO DE 30 DIAS ÚTEIS, DEIXOU DE REALIZAR A ENTREGA DO DOCUMENTO. ATO ILÍCITO CONSTATADO. RESPONSABILIDADE CONFIGURADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA.

 

    - ÔNUS DE ENTREGAR O DUT, A FIM DE POSSIBILITAR A REGULARIZAÇÃO DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO PERANTE O ÓRGÃO DE TRÂNSITO, QUE RECAI SOBRE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1º DA LEI 11.649/2008. PRECEDENTES. (TJSC - AC n. 2015.058037-7, de Brusque. Rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, julgado em 08/10/2015).

 

    APELO DA RÉ. COBRANÇA DE MULTA DIÁRIA QUE ENTENDE NÃO SER DEVIDA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DETERMINOU A ENTREGA DO DOCUMENTO DE TRANSFERÊNCIA QUANDO A RESPONSABILIDADE JÁ RECAÍA SOBRE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. REQUERIDA QUE, MESMO CITADA, DEIXOU TRANSCORRER O PRAZO FIXADO PARA CUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. ASTREINTE DEVIDA.

 

    VALOR DA MULTA DIÁRIA. REQUERIMENTO DE REDUÇÃO SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR DA ASTREINTE QUE SE AMOLDA AO ENTENDIMENTO DESTA CORTE DE JUSTIÇA.

 

    - A fixação da multa cominatória pelo Magistrado primário deve obedecer os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, tornando-se inviável a sua redução quando é ela arbitrada em valor que mostra-se suficiente para impor ao agravante o dever de cumprir a obrigação imposta em sede de tutela antecipada. (TJSC - AI n. 2013.082878-3, de Sombrio. Rel. Des. Trindade dos Santos, julgado em 27/02/2014).

 

    APELO DO AUTOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PREJUÍZOS FINANCEIROS SUPORTADOS PELO DEMANDANTE QUE OCORRERAM NA ÉPOCA EM QUE A RESPONSABILIDADE PELA ENTREGA DO DUT NÃO RECAÍA SOBRE A RÉ. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL. APREENSÃO DO VEÍCULO QUE TAMBÉM OCORREU QUANDO AUSENTE A RESPONSABILIDADE POR PARTE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DEMORA NA ENTREGA DA DOCUMENTAÇÃO POR PARTE DA DEMANDADA QUE CARACTERIZA MERO ABORRECIMENTO, SENDO INCAPAZ DE ENSEJAR INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.

 

    SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (Apelação Cível n. 0027446-76.2016.8.24.0000, de Canoinhas, Rela. Desa. Cláudia Lambert de Faria, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 26/9/2017, grifo acrescido)

 

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO LIMINAR. TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE DE VEÍCULO OBSTADA PELA AUSÊNCIA DE ENVIO DO DUT PELA ARRENDATÁRIA, APÓS A QUITAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL - LEASING. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA RÉ. INSURGÊNCIA EM RELAÇÃO À CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RAZÕES DISSOCIADAS DO CONTEÚDO DA SENTENÇA. NÃO CONHECIMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ALEGAÇÃO DE SER A OBRIGAÇÃO IMPOSSÍVEL, EM VIRTUDE DE A RÉ NÃO ESTAR NA POSSE DO DOCUMENTO. INSUBSISTÊNCIA. ÔNUS DE ENTREGAR O DUT, A FIM DE POSSIBILITAR A REGULARIZAÇÃO DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO PERANTE O ÓRGÃO DE TRÂNSITO, QUE RECAI SOBRE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1º DA LEI 11.649/2008.

 

    PRECEDENTES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, DESPROVIDO. (Apelação Cível n. 2015.058037-7, de Brusque. Rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, j. em 8/10/2015, grifo acrescido).

 

           Logo, não há falar em impossibilidade do cumprimento da obrigação. Desta forma, inexiste qualquer ilegalidade na imposição da astreinte.

 

           c) Da expedição de ofício ao DETRAN/SC

 

           Ainda objetivando afastar a incidência da multa, os agravantes arguiram a possibilidade de expedição de ofício ao órgão estadual de trânsito pela própria Juíza, a fim de ordenar a transferência do veículo.

 

           Cumpre destacar que, no curso do processo, a medida restou deferida em 23/7/2017 e a petição da agravada, datada de 24/7/2018, noticia o efetivo cumprimento (fls. 224 e 332 dos autos originários, respectivamente).

 

           Dessa forma, não se mostra possível a análise da insurgência sob tal aspecto, por ausência de interesse recursal decorrente da perda superveniente do objeto.

 

           Entretanto, ressalta-se que tal medida (expedição de ofício) não possui o condão de afastar a aplicação da multa, pois, como mencionado no tópico "b" deste acórdão, ao qual faço remissão, há previsão normativa - art. 1º, I, da Lei n. 11.649/2008 - para que a instituição financeira realize o que foi determinado pelo comando judicial, no prazo de 30 dias, de modo que não se pode afastar a sua responsabilidade pelo fato de o DETRAN ter acatado a ordem judicial, tampouco exigir da Magistrada que diligencie pela parte, evitando a incidência de multa cominatória.

 

           Por fim, destaca-se, a data da transferência do veículo, realizada pelo Departamento de Trânsito em virtude do ofício expedido, é o termo final da sanção imposta.

 

           d) Do valor da astreinte

 

           Reconhecida a responsabilidade dos agravantes, a fixação de multa por descumprimento de determinação judicial é cabível e recomendável em casos como o dos autos.

 

           Os recorrentes apresentam irresignação quanto à sanção cominatória disposta em decisão interlocutória anterior (fl. 206), qual seja, multa diária de R$1000,00 (fl. 110). Nesse contexto, pugnam pela sua redução.

 

           Sabe-se que "a fixação de multa diária não faz coisa julgada. Bem por isso, quando excessiva, irrisória ou por outra circunstância se faça necessário seu ajuste, o valor e a periodicidade podem sofrer alterações a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado da sentença que a fixou" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4029079-20.2017.8.24.0000, de Cunha Porã, rel. Des. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 21/6/2018).

 

           Dito isto, cabe ressaltar que, primeiramente, a sanção foi fixada no valor de R$500,00 por dia (fl. 87/89) e, diante do noticiado descumprimento, a quantia foi majorada para R$1.000,00 por dia em nova decisão (fl. 206).

 

           Assim, tem-se que está em consonância com os ditames da proporcionalidade e razoabilidade, uma vez que o objetivo da aludida multa é justamente evitar que haja o descumprimento da ordem judicial.

 

           Tendo em vista seu caráter coercitivo, entende-se que deve ser arbitrada em montante hábil a surtir o efeito pretendido. Em outras palavras, fosse o valor reduzido, o mesmo seria insignificante para a parte ré e a medida tornar-se-ia inócua.

 

           A respeito do tema, são precedentes deste Tribunal:

 

    CIVIL. AÇÃO COMINATÓRIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. PLEITO INICIAL DO AUTOR VISANDO A ORDEM DE TRANSFERÊNCIA DE DOMÍNIO PARA O NOME DA RÉ, BEM COMO SUA CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DA RESTRIÇÃO PERANTE O FISCO ESTADUAL ORIUNDO DE DÉBITO COM IPVA. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. PLEITEADO EM CONTRARRAZÕES A MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INSUBSISTÊNCIA. MEIO PROCESSUAL INADEQUADO. OBRIGAÇÃO DO COMPRADOR DE TRANSFERIR O AUTOMÓVEL PARA SEU NOME. COMPROMISSO DESCUMPRIDO. CONDUTA IMPRUDENTE E ILÍCITA DA RÉ QUE NÃO SE COADUNA COM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS INSCULPIDOS NA CARTA MAGNA, EM ESPECIAL O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LESÃO À HONRA E À RESPEITABILIDADE DO AUTOR, QUE É COMERCIANTE E FICOU COM PENDÊNCIAS PERANTE A SECRETARIA DA FAZENDA, FATO QUE IMPOSSIBILITOU A EMISSÃO DE BLOCO DE NOTAS FISCAIS. DANO MORAL A SER REPARADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$10.000,00 (DEZ MIL REAIS). MANUTENÇÃO. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DOS ARTS. 186 E 927 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. MULTA COMINATÓRIA (ASTREINTE). VALOR ARBITRADO (R$300,00) CONDIZENTE COM SUA FINALIDADE E COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. EXEGESE DO ART. 461, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. [...] (TJSC, Apelação Cível n. 2012.077098-4, de Araranguá, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 4-12-2012, grifo acrescido).

 

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. [...] EXCESSO DE EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE QUE O VALOR DA MULTA COMINATÓRIA É EXCESSIVO. ARBITRAMENTO EM R$100,00 E R$500,00 POR DIA DE DESCUMPRIMENTO QUE ATENDEU AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. VALOR ELEVADO ATINGIDO ANTE A DESÍDIA DA AGRAVANTE EM NÃO CUMPRIR A DETERMINAÇÃO JUDICIAL. NÃO CABIMENTO DA REDUÇÃO DO VALOR. MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUE SE IMPÕE. RAZÃO NÃO PROVIDA. [...] RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento n. 4004855-52.2016.8.24.0000, de Jaraguá do Sul, Rel. Des. Altamiro de Oliveira, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 20/6/2017)

 

           Considerando-se o porte econômico das instituições financeiras agravantes e o descumprimento reiterado da ordem judicial, reputa-se adequado o valor apresentado pelo agravado.

 

           Por fim, destaco que "a redução de valor de multa cominatória não é adequada quando alcança patamar elevado a partir da desídia do devedor em cumprir a obrigação fixada pelo Judiciário" (STJ, AgInt no AREsp 993.052/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 21/3/2017).

 

           Dos honorários recursais

 

           De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para o arbitramento de honorários advocatícios recursais, imprescindível o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:

 

    1. Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ: "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC";

 

    2. o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente;

 

    3. a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso;

 

    4. não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido;

 

    5. não terem sido atingidos na origem os limites previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015, para cada fase do processo;

 

    6. não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba (STJ, Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1357561/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 4-4-2017, DJe 19-4-2017).

 

           Logo, deixa-se de majorar os honorários sucumbenciais, porquanto não preenchidos os pressupostos citados.

 

           Do atentado à jurisdição

 

           O artigo 77 do Código de Processo Civil define os deveres das partes e daqueles que participam do processo. Dentre estes, destaca-se o inciso IV, o qual determina que todos devem "cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final e não criar embaraços à sua efetivação", sob pena de imposição de sanção prevista no parágrafo 2º do referido diploma legal, in verbis:

 

    § 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.

 

           Constata-se, portanto, que "a norma impõe às partes o dever de cumprir e de fazer cumprir todos os provimentos de natureza mandamental, como, por exemplo, as liminares (cautelares, possessórias, de tutela antecipada, de mandado de segurança, de ação civil pública etc.) e decisões finais da mesma natureza, bem como não criar empecilhos para que que todos os provimentos judiciais, mandamentais ou não, de natureza antecipatória ou final, sejam efetivados, isto é, realizados. O desatendimento desse dever caracteriza o 'contempt of court' sujeitando a parte infratora à sanção do CPC 77 § 1º (NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 445).

 

           Ademais, nos termos do artigo 378 da nova lei processual civil, "ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade", competindo à parte praticar o ato que lhe for determinado (artigo 379, inciso III, do mesmo diploma legal).

 

           A falta de atendimento a tais preceitos, implica atentado à jurisdição, o qual consiste na "prática de qualquer ato que tenda a ofender um juiz ou tribunal na administração da justiça, ou a diminuir sua autoridade ou dignidade, incluindo a desobediência a uma ordem" (NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 446).

 

           Assim, percebe-se que a expressão "não criar embaraços à sua efetivação", descrita no inciso IV do artigo 77 do Código de Processo Civil, refere-se ao dever ético-jurídico das partes de, por ação ou inércia, não causar óbices à concretização da justiça, sob pena de ser-lhes imposta a multa prevista no § 2º do Códex processual civil, que será fixada conforme a gravidade da conduta praticada e revertida aos cofres públicos, por se tratar de ofensa contra a autoridade estatal.

 

           Isso porque não se pode condescender com atitudes que dificultem a efetivação de provimentos judiciais, razão pela qual se justifica a imposição da mencionada sanção.

 

           Destarte, no caso em apreço, a imposição de multa por ato atentatório à jurisdição é medida imperativa, pois os réus descumpriram a ordem judicial de transferência de propriedade do veículo ao autor por 2 vezes, a qual somente restou cumprida por terceiro (DETRAN/SC), após determinação da expedição de ofício ao referido órgão.

 

           A todo momento os recorrentes buscaram esquivar-se de suas obrigações, inclusive alegando impossibilidade de cumprimento, o que, como visto, não se coaduna com a realidade.

 

           Vale lembrar que a presente medida volta-se especificamente contra a violação a dever processual e não se confunde com as demais penalidades previstas no nosso sistema processual civil, a exemplo das astreintes, cuja finalidade é fazer cumprir obrigação de fazer ou não fazer, razão pela qual é permitida sua cumulação.

 

           Desse modo, aplica-se, de ofício multa de 20% sobre o valor da causa, conforme o disposto no artigo 77, § 2º, do Código de Processo Civil, de modo a coibir os embaraços criados pelos réus à efetivação dos provimentos judiciais.

 

           CONCLUSÃO

 

           Diante do exposto, o voto é no sentido de conhecer parcialmente do recurso e, nesta porção, negar-lhe provimento. Outrossim, de ofício, aplicar multa aos réus de 20% sobre o valor da causa, nos termos do § 2º do artigo 77 do Código de Processo Civil de 2015, em favor do Estado.

 

 

Gabinete Desembargador Raulino Jacó Brüning