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Tribunal de Justiça de Santa Catarina - Julho/2005

Tipo: Apelação Cível
Número: 2005.013187-4
Des. Relator: Juiz Sérgio Izidoro Heil.
Data da Decisão: 22/07/2005

Apelação Cível n. 2005.013187-4, de Palhoça.

Relator: Juiz Sérgio Izidoro Heil.

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESPONSABILIDADE SECURITÁRIA - PLEITO FORMULADO POR MUTUÁRIO DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL PELOS DANOS OCORRIDOS NOS IMÓVEIS - APELAÇÃO DO AUTOR - ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO DA MULTA DECENDIAL - INACOLHIMENTO - UTILIZAÇÃO DO CUB COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA - DESNECESSIDADE - JUROS DE MORA DE 1% (UM POR CENTO) AO MÊS - EXEGESE SISTEMÁTICA DOS ARTS. 406 DO CC/02 C/C 161, § 1°, DO CTN - RECURSO DA RÉ - PRESCRIÇÃO ÂNUA DA PRETENSÃO DO SEGURADO - RELAÇÃO DE CONSUMO - INCIDÊNCIA DO ART. 27 DO CDC - INVOCADA EXCLUSÃO DOS DANOS PELA APÓLICE DE SEGURO - INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS À LUZ DO CÓDIGO CONSUMERISTA - FALTA DE MANUTENÇÃO DO IMÓVEL NÃO DEMONSTRADA - RECURSO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO E DA RÉ DESPROVIDO

Não se trata de pena cominatória a multa estabelecida em contrato para o caso de mora, uma vez que esta é claramente cláusula penal moratória estipulada livremente pelas partes e regida pelos arts. 916 e seguintes do CC/1916, enquanto a pena cominatória é de natureza processual e arbitrada pelo Juiz; por conseguinte, incide sobre a primeira a limitação imposta pelo art. 920 do CC/1916.

Reza o art. 406 do NCC: "Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional".

O Código Consumerista, em seu art. 3º, § 2º, é expresso ao caracterizar a atividade securitária como serviço, portanto, não pode a Seguradora requerer a prescrição ânua da pretensão do segurado, por entender não se tratar de danos causados por fato do serviço.

"No contrato de seguro habitacional, vige o princípio do risco integral. Desta forma, a existência de cláusula que particulariza os riscos cobertos não deve ser considerada exaustiva, mas meramente exemplificativa, cedendo lugar ao interesse maior que é o do privilégio da segurança, razão de ser do próprio seguro. Além do mais, por ser típico contrato de adesão, o seguro habitacional é simplesmente imposto ao mutuário do Sistema Financeiro de Habitação, sem qualquer discussão sobre suas cláusulas e condições, merecendo, em hipótese de dúvida sobre seu alcance, interpretação mais favorável à parte que ao pacto adere" (AC n. 2004.002746-0, relª. Desª. Salete Silva Sommariva).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.013187-4, da comarca de Palhoça (1ª Vara Cível), em que são apelantes/apelados Atlântica Seguros S/A e Vilson Medeiros:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer dos recursos, dar parcial provimento ao do autor e negar provimento ao da ré.

Custas na forma da lei.

I -RELATÓRIO:

Vilson Medeiros interpôs ação ordinária de responsabilidade obrigacional securitária contra Atlântica Seguros S/A sustentando, em resumo, que: almeja a condenação da ré ao pagamento de indenização pelos danos verificados nas casas em que residem, construídas com recursos do Sistema Financeiro de Habitação; após vistoria realizada pela Seguradora, restou constatada a ameaça de desmoronamento; contudo, a ré emitiu Termo de Negativa de Cobertura, não pagando o prêmio e não ressarcindo os prejuízos; a Seguradora ainda se encontra em mora, pois tem a responsabilidade contratual de efetuar o pagamento dos sinistros. Ao final, requereu a realização do exame pericial do imóvel, a condenação da ré ao pagamento de indenização dos valores necessários à reposição do bem ou, alternativamente, o pagamento de todos os prejuízos suportados pelo autor, aplicando-se sobre o montante apurado multa convencional de 2% (dois por cento) para cada 10 (dez) dias na fração de atraso, computada a partir de 30 (trinta) dias, contados dos avisos de sinistro, além de juros de mora de 1% (um por cento) (fls. 2/38).

Devidamente citada, a ré contestou alegando, em preliminar, que a ação prescreveu. No mérito, asseverou que houve vício quando da construção, o que excluiria a indenização por parte da Seguradora. Ao final, pugnou pela denunciação da lide à IRB - Brasil Resseguros S/A e à COHAB/SC - Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina, na condição de litisconsortes necessárias (fls. 317/331).

A COHAB/SC apresentou contestação, aduzindo que a preliminar confunde-se com o mérito quanto a sua ilegitimidade passiva e que inexiste relação obrigacional capaz de impor a obrigação de indenizar o segurado. Ao final, pediu que seja inadmitida a litisdenunciação e excluída toda e qualquer responsabilidade da promitente vendedora do imóvel nas obrigações presentes (fls. 401/404).

Também citada, contestou a IRB, alegando, em preliminar, que a sua posição não poderia ser confundida com a condição processual de parte, uma vez que o resseguro seria um contrato sem qualquer vínculo com o segurado. No mérito, altercou que: os danos ocorridos nos imóveis seriam decorrentes do uso, desgaste, falta de conservação e dos vícios de construção; não cabe à Seguradora indenizar estragos causados pelo tempo, posto que as casas já possuíam mais de 20 (vinte) anos; a multa aplicável não pode superar os limites impostos pelo Código de Defesa do Consumidor; não sendo esse o entendimento, que recaia sobre a IRB, tão-somente, a enunciação de vontade autorizadora de pagamento (fls. 458/469).
Chamada ao feito, a Caixa Econômica Federal alegou que inexiste qualquer argumento válido a justificar a sua presença na lide, tendo em vista que não assumiu nenhuma responsabilidade quanto ao mutuário, não sendo parte legítima no pólo passivo, porquanto a Seguradora deverá assumir a obrigação para os fins de direito (fls. 565/566).

Sentenciando, o Magistrado singular julgou procedente o pedido, condenando a ré a pagar o montante indicado no laudo pericial (fl. 607), a título de indenização, com multa de 2% (dois por cento) sobre o valor da indenização, a partir de 30 (trinta) dias após a data do recebimento do sinistro. Rejeitou a denunciação da lide à COHAB/SC e excluiu o IRB por ilegitimidade passiva. Ao final, condenou a ré a pagar honorários advocatícios, fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor total da condenação para o procurador do autor e para os procuradores da COHAB/SC e IRB, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) (fls. 648/657).

Inconformados, apelam o autor Vilson Medeiros e a ré Atlântica Seguros S/A.

Em suas razões recursais, aduz o demandante que: devido ao caráter satisfativo da multa contratual, esta não pode ser limitada ao valor da prestação principal; deve ser utilizado o CUB como índice de correção monetária, visto que é a unidade usada para os negócios de construção; os juros de mora devem ser arbitrados em 1% (um por cento) ao mês, em observância ao art. 406 do Novo Código Civil. Pugnou, por fim, pela reforma parcial da sentença (fls. 662/677).

A ré, por sua vez, argumentou em sua peça recursal, em síntese, que: o próprio Código Civil prevê a prescrição ânua da pretensão do segurado contra o segurador, devendo, portanto, ser extinto o processo; a apólice de seguro é clara ao determinar que os riscos de danos físicos deve ter causa externa, excluindo, dessa forma, os danos sofridos pelo imóvel devido aos seus próprios componentes; a falta de manutenção favorece o aparecimento de danos físicos, pois o padrão das casas da COHAB são de qualidade inferior, para atender às necessidades básicas da população mais carente. Ao final, pleiteou pelo provimento do recurso (fls. 673/676).

Contra-razões apresentadas somente pelo autor às fls. 685/696.

II -VOTO:

Inconformados com o decisum prolatado pelo Juiz singular, que julgou procedente o pedido, condenando a ré a pagar o valor indicado no laudo pericial (fl. 607), a título de indenização, com multa de 2% (dois por cento) sobre o montante indenizatório, a partir de 30 (trinta) dias após a data do recebimento do sinistro, as partes apelaram.

Do Recurso do Autor

Em suas razões, o demandante alega que: a multa contratual em análise visa compelir o devedor ao cumprimento da obrigação de fazer, dessa forma, não pode ser limitada ao valor da prestação principal; deve ser utilizado o CUB como índice de correção monetária, visto que é a unidade usada para os negócios de construção; os juros de mora devem ser arbitrados em 1% (um por cento) ao mês, em observância ao art. 406 do Novo Código Civil.

Da análise dos autos, conclui-se que razão assiste ao apelante apenas no que diz respeito aos juros de mora.
Inicialmente, afirma o recorrente que a multa decendial prevista em contrato tem o objetivo de impelir o devedor ao cumprimento da obrigação de fazer, devendo ser observado o art. 644 do CPC, não podendo ser limitada ao valor da prestação principal, sob pena de enriquecimento sem causa da apelada.

Todavia, a previsão contratual em debate é, claramente, de cláusula penal moratória, não podendo ser confundida com a pena de que trata o artigo supra.

Cediço que a cláusula penal é estipulada livremente pelas partes, com o intuito de desencorajar a mora da prestação devida, sendo albergada pelo Código Civil Brasileiro.

Em contrapartida, a pena cominatória é matéria de direito processual, aplicável aos processos de execução, visando compelir o devedor a adimplir a obrigação, sob pena de ser obrigado a arcar com multa diária (ou em outro lapso temporal adotado pelo juiz).

Sobre o assunto, leciona Antônio Pereira Gaio Júnior:
"Não obstante a ação cominatória, prevista no art. 302 do CPC de 1939, estar excluída da condição de remédio processual autônomo e específico do CPC em vigor, continua ela existindo como ação atípica, assegurando-se, portanto, o preceito cominatório relativo às obrigações de fazer e não fazer infungíveis e fungíveis, como veremos mais adiante.
A presente demanda caracteriza-se pela incidência de uma pena pecuniária (meio executivo ligado à execução indireta), que atuará sobre a vontade do devedor, visando compeli-lo a cumprir com a obrigação devida e assim evitar pesadas as sanções que o ameaçam.
[...]

Dita pena poderá ser fixada pelo juiz, mediante pedido do autor (art. 294 do CPC), independente de pedido do autor (art. 461, § 4º do CPC e art. 84 § 4º do CDC); na execução de obrigação de fazer e não fazer, oriunda de título judicial, se omissa a sentença condenatória (art. 644 do CPC); na execução de obrigação de fazer ou não fazer fundada em título extrajudicial, se omisso este quanto à previsão de multa pecuniária (art. 645 do CPC).

O termo A Quo para a incidência da presente pena é o primeiro dia útil após o vencimento do prazo fixado pelo juiz na sentença ou na decisão que a concedeu para que o devedor cumprisse com a obrigação devida.
[...]

No tocante ao valor da pena pecuniária, a mesma ignora limites, não se restringindo à obrigação principal..." (Tutela Específica das Obrigações de Fazer, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 62) (sem grifo no original).

Já quanto à cláusula penal, ensina o autor mencionado:
"Cláusula penal é um pacto acessório com regulamentação prevista pelo Código Civil Brasileiro (arts. 408 a 416) ao qual as partes, por convenção expressa, determinam àquele que descumprir obrigação contratual, uma pena ou multa no caso de mora (cláusula penal moratória) ou de inadimplemento (cláusula penal compensatória).

Seguindo-se também entendimento de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, 'é uma cláusula acessória, em que se impõe sanção econômica, em dinheiro ou outro bem pecuniariamente estimável, contra a parte infringente de uma obrigação'.
A principal finalidade da cláusula penal é reforçar o vínculo obrigacional, com estímulo ao adimplemento contratual, através de medida coercitiva ou intimidativa...
[...]

Estabelece o art. 412 do CC que o valor da cominação imposta na cláusula penal não poderá exceder o da obrigação principal, evitando, destarte, que o devedor inadimplente se sujeite a uma pena um tanto quanto leonina, muito embora, valendo ressaltar, que não dificilmente poderá o prejuízo da parte lesada ter valor muito superior ao da pactuação estipulada na cláusula penal" (op. cit., p. 83/85) (grifo nosso).

Ademais, desse entendimento não destoa o Superior Tribunal da Justiça:
"Na linha da jurisprudência desta Corte, não se confunde a cláusula penal, instituto de direito material vinculado a um negócio jurídico, em que há acordo de vontades, com as astreintes, instrumento de direito processual, somente cabíveis na execução, que visa a compelir o devedor ao cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer e que não correspondem a qualquer indenização por inadimplemento" (REsp n. 422966/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 23/9/03).

É, inclusive, assunto que já se encontra sumulado pela citada Corte:
"A multa cominatória a que se referiam os artigos 916 e seguintes do Código Civil revogado (objeto dos artigos 408 e seguintes do Novo Código Civil), incide sobre o valor da obrigação principal, corrigido, acrescido dos juros impostos na sentença, quando o litígio versar sobre seguro habitacional" (Súmula 16) (grifamos).

Logo, resta flagrante que incidiu em erro o apelante ao classificar a multa decendial (art. 916 e seguintes do CC/1916) como pena cominatória (art. 644 do CPC), diante da clara natureza contratual daquela em confronto com a natureza executória desta.

Da mesma forma, não merece prosperar a assertiva do recorrente de que a correção monetária deve de ser regida pelo CUB e não pelo INPC, conforme estipulado na sentença objurgada.

Primeiramente, cumpre salientar que a Corregedoria Geral da Justiça prescreve a utilização do INPC.

Ademais, observa-se na perícia realizada, que do total de R$ 4.311,27 (quatro mil, trezentos e onze reais e vinte e sete centavos), a serem pagos ao apelante pelos consertos realizados e necessários no imóvel, já se encontrava recuperado o equivalente a R$ 3.999,98 (três mil, novecentos e noventa e nove reais e noventa e oito centavos), ou seja, os consertos restantes são parte mínima do montante devido pela Seguradora.

Dessa forma, não há que se falar em correção pelo CUB, porquanto se trata em sua maior parte de mero ressarcimento ao recorrente pelos gastos realizados na recuperação do bem, os quais foram calculados pelo perito, devendo esse valor ser corrigido pelo INPC, pois a intenção é meramente de manter o valor real despendido.

No que tange ao juros de mora, em parte tem razão o apelante, pois com a vigência do Novo Código Civil passou a ser aplicado o disposto em seu art. 406: "Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazendo Nacional".

Ainda, reza o art. 161, § 1º, do CTN: "Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês".

Logo, verificado que a presente ação foi ajuizada no ano de 1997, devem os juros de mora ser mantidos no patamar de 6% (seis por cento) ao ano até a entrada em vigor do Novo Código Civil, a partir de quando deverão incidir os juros de 1% (um por cento) ao mês.

Do Recurso da Ré

A ré afirma que: o próprio Código Civil prevê a prescrição ânua da pretensão do segurado contra o segurador, devendo, portanto, ser extinto o processo; a apólice de seguro é clara ao determinar que os riscos de danos físicos devem ter causa externa, excluindo, dessa forma, os prejuízos sofridos pelo imóvel devido aos seus próprios componentes; a falta de manutenção favorece o aparecimento de danos físicos, pois o padrão das casas da COHAB são de qualidade inferior, para atender às necessidades básicas da população mais carente.

Compulsando os autos, verifica-se que não merece prosperar o recurso em debate.

Busca a apelante a aplicação da prescrição ânua para o caso em tela, por entender que não se tratam de "danos causados por fato do produto ou serviço..", conforme prevê o art. 27 do CDC.

Todavia, o Código Consumerista, em seu art. 3º, § 2º, é expresso ao caracterizar a atividade securitária como serviço: "Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista" (grifo nosso).

Vale ressaltar que o CDC é Lei especial devendo, portanto, ser levado em conta o princípio da especialidade, preponderando o prazo nele estipulado.

Sobre o assunto, esta Câmara já decidiu:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO - INVALIDEZ PERMANENTE EM VIRTUDE DE DOENÇA - CONTRATO SECURITÁRIO - RELAÇÃO DE CONSUMO - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - PRAZO QÜINQÜENAL - EXEGESE DO ART. 27 DO CDC - RECUSA DO PAGAMENTO - IMPOSSIBILIDADE - COBERTURA DEVIDA - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - ABRANGÊNCIA PELA APÓLICE - INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO SEGURADO - RECURSO PROVIDO - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL

O prazo prescricional para ajuizamento da ação de cobrança de seguro é de 05 (cinco) anos, contados da ciência da negativa de cobertura pela seguradora, em decorrência da incidência aos contratos securitários do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor" (AC n. 2001.013430-6, de São João Batista, rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. 30/04/04).

E, ainda:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO EM GRUPO - INVALIDEZ PERMANENTE EM VIRTUDE DE ACIDENTE - CONTRATO SECURITÁRIO - RELAÇÃO DE CONSUMO - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - PRAZO QÜINQÜENAL - EXEGESE DO ART. 27 DO CDC - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE - RECUSA DO PAGAMENTO - NÃO COBERTURA PELO CONTRATO - IMPOSSIBILIDADE - COBERTURA DEVIDA - ABRANGÊNCIA PELO SEGURO - INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO SEGURADO - DEVER DE INDENIZAR - CÓDIGO CONSUMERISTA - ARTS. 46 E 47 - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO

Nos conflitos envolvendo os prazos prescricionais previstos no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil, ante o princípio da especialidade, aplica-se o prazo previsto no art. 27 daquele" (AC n. 2003.017049-9, da Capital, rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. 28/5/04).

Por fim:
"CONFLITO DE COMPETÊNCIA - ANTINOMIA APARENTE - SOLUÇÃO - CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE
O conflito aparente entre duas normas, uma geral e outra especial, resolve-se pelo critério da especialidade, prevalecendo a segunda: lex specialis derogat generali" (CC n. 1999.005779-8, de São José, rel. Des. Eder Graf, j. 10/08/99).

Logo, resta incontroversa a incidência da prescrição qüinqüenal prevista no art. 27 do CDC.

Contudo, não se pode olvidar que a validade da pretensão do autor/recorrido repousa na ausência de notificação da negativa de cobertura do seguro de forma incontroversa, pela Seguradora, como muito bem salientou o Togado a quo:
"É de se notar que a resposta ao agente financiador (COHAB) ocorreu 12 anos antes do ajuizamento, ou seja, há mais tempo que o prazo de cinco anos previstos no CDC, o que, num primeiro momento, levaria à conclusão equivocada de que o prazo prescricional já se escoou.

Entretanto, a seguradora deveria ter respondido ao autor, conforme prescreve o Código de Defesa do Consumidor, eis que o segurado é o verdadeiro interessado na resposta por ser o detentor dos direitos assegurados na apólice.

O autor alega que só tomou conhecimento da negativa quando ajuizou a ação, observa-se também que não existe nos autos qualquer prova da data exata que o consumidor/segurado, ora autor, tomou ciência inequívoca da negativa e, portanto, a data assinalada no TCN não pode ser considerada como prazo inicial para fins de contagem do prazo prescricional" (fls. 678/679).
Esse é o entendimento sumulado pelo STJ:
"O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão" (Súmula 229).

E:
"O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral" (Súmula 278).

Notório que o ônus da prova é do réu: "... quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor", segundo o art. 333, II, do CPC.

Dessa forma, observa-se que restou comprovado o aviso por parte do recorrido à recorrente (documento de fls. 41/42), entretanto, esta não fez prova da ciência inequívoca daquele quanto à negativa de seguro, evidenciando que não teve início a contagem do prazo prescricional.

No tocante à alegação de que a apólice de seguro é clara ao determinar que os riscos de danos físicos devem ter causa externa, excluindo, dessa forma, os danos sofridos pelo imóvel devido aos seus próprios componentes e à falta de manutenção, observa-se, no entanto, nas "condições particulares para os riscos de danos físicos", que a cláusula 3.1 prevê: "Estão cobertos por estas Condições todos os riscos que possam afetar o objeto do seguro, ocasionando:
a) incêndio;
b) explosão;
c) desmoronamento total;
d) desmoronamento parcial, assim entendido a destruição ou desabamento de paredes, vigas ou outro elemento estrutural;
e) ameaça de desmoronamento, devidamente comprovada;
f) destelhamento;
g) inundação ou alagamento" (fls. 42/43).

Portanto, patente que a Seguradora adotou nesta cláusula o princípio do risco integral, visto que cobre "... todos os riscos que possam afetar o objeto do seguro...", todavia, na cláusula 3.2 dispõe: "Com exceção dos riscos contemplados nas alíneas a e b do subitem 3.1, todos os citados no mesmo subitem deverão ser decorrentes de eventos de causa externa, assim entendidos os causados por forças que, atuando de fora para dentro, sobre o prédio, ou sobre o solo ou subsolo em que o mesmo se acha edificado, lhe causem danos, excluindo-se, por conseguinte, todo e qualquer dano sofrido pelo prédio ou benfeitorias que seja causado por seus próprios componentes, sem que sobre eles atue qualquer força anormal" (fls. 55/55v).

Por esse motivo, entende a apelante que estariam excluídos da cobertura da apólice os danos causados por vício de construção, mas ao verificar-se a cláusula constante no anexo 12 (doze) "Sinistros de Danos Físicos", colhe-se:

"3.1 - Nos casos em que o vistoriador da Seguradora referir-se expressamente à existência do vício de construção como fato gerador do sinistro a Seguradora, reconhecendo a cobertura, requererá medida cautelar específica, consistindo em exame pericial, com vistas à produção antecipada de provas e a fim de requerer, em seguida, se for o caso, contra quem de direito, o ressarcimento da importância despendida a título de indenização" (fls. 106/107).

Logo, é evidente que apesar da apólice cobrir apenas os danos advindos de causas externas (cláusula 3.2), não teve esta a intenção de subtrair os decorrentes de vícios de construção.

Destarte, por se tratar de seguro habitacional, devem ser resguardados o princípio do risco integral e o Código de Defesa do Consumidor.

O primeiro, pelo fato de sua incidência no contrato de seguro habitacional, não cedendo espaço para interpretações extensivas nas cláusulas que particularizam os riscos cobertos, porquanto o objetivo de tais apólices é a segurança.

Em caso análogo, já decidiu a Primeira Câmara de Direito Civil:
"SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO - INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - PRINCÍPIO DO RISCO INTEGRAL - INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS DE FORMA A BENEFICIAR O SEGURADO - DEVER DE INDENIZAR - RECURSOS DEPROVIDOS.

No contrato de seguro habitacional, vige o princípio do risco integral. Desta forma, a existência de cláusula que particulariza os riscos cobertos não deve ser considerada exaustiva, mas meramente exemplificativa, cedendo lugar ao interesse maior que é o do privilégio da segurança, razão de ser do próprio seguro. Além do mais, por ser típico contrato de adesão, o seguro habitacional é simplesmente imposto ao mutuário do Sistema Financeiro de Habitação, sem qualquer discussão sobre suas cláusulas e condições, merecendo, em hipótese de dúvida sobre seu alcance, interpretação mais favorável à parte que ao pacto adere.

Reconhecidos os danos, ainda que acarretados por vício de construção, caberá providenciar a sua devida indenização, voltando-se contra quem for o responsável pelos vícios ou defeitos através de ação regressiva" (AC n. 2004.002746-0, de Itajaí, relª. Desª. Salete Silva Sommariva, j. 30/3/04).

Nesse norte, esta Câmara também já se manifestou:
"SEGURO HABITACIONAL - IMÓVEIS FINANCIADOS PELO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO - FALHAS CONSTRUTIVAS VERIFICADAS PELAS PARTES - LAUDO PERICIAL REALIZADO EM CONJUNTO - PRESCRIÇÃO INOCORRENTE - DEVER DA SEGURADORA EM INDENIZAR - COBERTURA PREVISTA NA APÓLICE - MULTA DECENDIAL DEVIDA SOBRE O VALOR DA INDENIZAÇÃO - RECURSO DESPROVIDO.

Face a cobertura securitária prevista para os imóveis financiados pelo sistema financeiro de habitação, após a constatação de vícios de construção, inclusive sendo juntado o orçamento feito em conjunto pelas partes, inarredável que a tutela perquirida é devida" (AC n. 2002.009376-4, de São José, rel. Des. Marcus Túlio Sartorato, j. 7/3/03).

Ademais, mesmo que não restasse plenamente comprovada a obrigação da Seguradora de indenizar os prejuízos advindos do vício de construção, deve-se atentar para o fato de que o seguro em debate é um contrato de adesão e, por conseguinte, regido pelo Código Consumerista, devendo, portanto, suas cláusulas serem interpretadas da forma mais favorável ao consumidor.

Conseqüentemente, não se pode restringir a abrangência da cláusula que estipula os riscos cobertos pela apólice, muito menos interpretar de forma prejudicial ao recorrido a cláusula que prevê as causas excludentes de cobertura.

Portanto, resta evidente a necessária cobertura dos danos causados pelos vícios de construção, sendo inafastável o dever da Seguradora de indenizá-los e proporcionar os devidos reparos na moradia do apelado.

Por fim, não restou demonstrada a aludida falta de manutenção do imóvel, por parte do recorrido, que teria favorecido o aparecimento de danos físicos, levando-se em consideração que o padrão das casas da COHAB são de qualidade inferior, para atender às necessidades básicas da população mais carente.

Além disso, pode-se verificar pelo laudo pericial, ao contrário do que afirma a recorrente, que o apelado tomou as medidas necessárias para a conservação do bem, tanto que realizou a maior parte dos consertos necessários para sua manutenção.
Colhe-se à fl. 622:

"Os danos verificados na edificação vistoriada, em sua maioria, já foram sanados, exceto os problemas relacionados às portas internas, provenientes da infestação por cupins e má qualidade do material empregado" (grifou-se).
Nesse arena, este Tribunal já decidiu:

"PERDA DA COBERTURA SECURITÁRIA EM VIRTUDE DA AUSÊNCIA DE MANUTENÇÃO DOS IMÓVEIS, PELOS MUTUÁRIOS. CAUSA DE ISENÇÃO NÃO COMPROVADA. ÔNUS DA SEGURADORA.

A má conservação dos imóveis financiados, como causa de isenção da responsabilidade da seguradora, deve restar induvidosamente provada nos autos, assim como a atuação dessa má conservação ao menos como concausa das danificações constatadas. Tal ônus é exclusivo da seguradora; se esta assim não procede, responde integralmente pelos danos constatados" (AC n. 2001.016734-4, de Curitibanos, rel. Des. Carlos Prudêncio, j. 2/10/01).

Logo, o ônus de comprovar a falta de manutenção do imóvel por parte do apelado é exclusivo da apelante, em observância ao art. 333, II, do CPC. E, não logrando êxito, responde pela integralidade dos danos verificados.

Por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso do autor e improcedente o da ré.

Logo, reforma-se o decisum objurgado no tocante aos juros de mora, devendo ser mantido no patamar de 6% (seis por cento) ao ano apenas até a entrada em vigor do Novo Código Civil, a partir de quando deverão incidir os juros de 1% (um por cento) ao mês.

III -DECISÃO:

Nos termos do voto do relator, a Câmara, à unanimidade, conheceu dos recursos, deu parcial provimento ao do autor para manter os juros de mora no patamar de 6% (seis por cento) ao ano apenas até a entrada em vigor no novo Código Civil a partir de quando deverão incidir os juro de 1% (um por cento) ao mês, e negou provimento ao da ré.

Participou do julgamento o Exmo. Sr. Desembargador Marcus Tulio Sartorato.

Florianópolis, 22 de julho de 2005.

Wilson Augusto do Nascimento

PRESIDENTE COM VOTO

Sérgio Izidoro Heil

RELATOR