SUPERIOR TRIBUNAL DE JU8STIÇA - STJ - Setembro/2020
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Setembro/2020
RECURSO ESPECIAL Nº 1.690.216 - RS (2017/0193448-6)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : DJALMA OLIVEIRA DE FRAGA
ADVOGADO : DJALMA OLIVEIRA DE FRAGA (EM CAUSA PRÓPRIA) - RS036697
RECORRIDO : REINALDO CARDOSO
ADVOGADOS : ALINE AURELIO CURCIO E OUTRO(S) - RS053494 EDMAR DA COSTA JACQUES - RS079061 VOTO-VISTA A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:
Cuida-se de recurso especial interposto por DJALMA OLVEIRA DE FRAGA, advogando em causa própria, por meio do qual pretende a reforma do acórdão de fls. 139/145 (e-STJ), por meio do qual a 15ª Câmara Cível do TJ/RS negou provimento ao agravo de instrumento por ele interposto, ao fundamento de que seria inadmissível a reconvenção à reconvenção, também chamada de reconvenção sucessiva, no direito processual civil brasileiro.
Voto do e. Relator, Min. Paulo de Tarso Sanseverino : conheceu e negou provimento ao recurso especial, mantendo o entendimento de que seria inadmissível a reconvenção sucessiva sob os seguintes fundamentos: (i) haveria violação ao princípio da estabilidade objetiva da demanda, pois se trataria de hipótese de alteração de pedidos após a citação do réu; (ii) a legitimidade ativa para o oferecimento da reconvenção seria apenas do réu originário; (iii) que a admissão da reconvenção à reconvenção conduziria à possibilidade de infindáveis e sucessivas reconvenções, o que feriria os princípios da razoável duração do processo, eficiência e economia processual.
Em razão do ineditismo da matéria, pedi vista para melhor exame da controvérsia na sessão telepresencial ocorrida no último dia 15/09/2020.
Revisados os fatos, decide-se .
CABIMENTO DA RECONVENÇÃO SUCESSIVA. CONTROVÉRSIA DOUTRINÁRIA ACERCA DOS ARTS. 316 DO CPC/73 E 343, §1º, DO CPC/15.
01) Para melhor compreensão da controvérsia, saliente-se de início que o recorrente ajuizou ação de cobrança e de arbitramento de honorários advocatícios em face do recorrido REINALDO CARDOSO, em que pleiteia o pagamento de honorários contratuais (pretensão de cobrança) e sucumbenciais (pretensão de arbitramento) alegadamente devidos em razão da atuação do patrono em ação trabalhista por longo período (fls. 19/24 e fls. 71/75, e-STJ).
02) Regularmente citado, o recorrido não apenas apresentou contestação, em que impugnou a existência das alegadas dívidas (fls. 51/56 e fls. 88/91, e-STJ), como também propôs reconvenção, em que formulou pretensão de repetição do indébito ao fundamento de que teria pago ao recorrente, a título de honorários advocatícios, valor maior do que o devido (fls. 93/95, e-STJ).
03) Ato contínuo, o recorrente foi intimado para responder à reconvenção proposta pelo recorrido e, então, propôs reconvenção à reconvenção, em 20/11/2015, na qual formulou pretensão de repetição do indébito ao fundamento de que o pedido do recorrido (devolução de valores alegadamente pagos a maior) diz respeito a honorários fixados em decisão judicial, razão pela qual deve ser ele condenado a pagar ao recorrente o equivalente do que dele exige (fls. 117/121, e-STJ).
04) A reconvenção sucessiva foi liminarmente indeferida pelo Juízo de
1º grau ao fundamento de que inexistiria autorização legal para seu manejo, por decisão que, conquanto proferida em 13/01/2016, apenas foi objeto de publicação no DJe em 30/05/2016 (fls. 82/83, e-STJ), tendo o acórdão recorrido confirmado a referida decisão (fls. 139/145, e-STJ).
05) Realizados esses esclarecimentos preliminares, é oportuno examinar, em primeiro lugar, sobre qual é a legislação processual aplicável na hipótese, na medida em que a reconvenção à reconvenção foi ofertada em Novembro de 2015 (na vigência do CPC/73), mas o seu indeferimento liminar ocorreu por decisão publicada em Maio de 2006 (na vigência do CPC/15).
06) Nesse sentido, considerando que o objeto da questão controvertida é justamente o cabimento da reconvenção sucessiva, ou seja, a sua admissibilidade , é correto concluir que a lei a ser observada é aquela vigente ao tempo em que proposta a segunda reconvenção, razão pela qual o exame da matéria se iniciará pela controvérsia à luz do CPC/73.
07) Como bem delineado pelo e. Relator, a possibilidade de reconvenção à reconvenção, também chamada de reconvenção sucessiva, é hipótese tanto rara quanto polêmica na doutrina brasileira, inclusive na vigência do CPC/39 e também do CPC/73. A controvérsia pode ser bem sintetizada em artigo de Rita Gianesini publicado em 1977 :
O Código não estabelece expressamente que não se admite reconvenção de reconvenção, permanecendo em aberto a polêmica existente com relação ao Código anterior.
Há argumentos ponderáveis num e noutro sentido. Se não, vejamos: O autor reconvindo não pode reconvir porque :
a) deveria ter cumulado desde logo todas as ações contra o réu. Se não o fez, só em ação autônoma poderá fazê-lo – art. 294;
b) é intimado, na pessoa de seu procurador, para “ contestar” a ação – art. 316. Não foi usada a expressão genérica “ resposta” – art. 297;
c). a sucessão de reconvenções tornaria infindável o processo.
Ou o autor reconvindo pode reconvir porque :
a) não poderia saber que o réu reconvinte iria reconvir e, seu interesse em cumular outra ação contra ele poderá ter surgido, devido justamente a reconvenção;
b) os requisitos que deverão ser preenchidos para admissibilidade da reconvenção, por si sós limitariam a sua proposição;
c) a reconvenção é própria daquele que se encontra na posição de réu;
d) os motivos de interesse público e de economia processual justificam tanto a reconvenção do réu reconvinte como do autor reconvindo;
e) o Código não fixou prazo para reconvir.
Pontes de Miranda e Calmon de Passos admitem que pode haver reconvenção de reconvenção. Em sentido contrário Frederico Marques, com o qual concordamos (GIANESINI, Rita. Alguns aspectos da reconvenção in Revista de Processo: RePro, ano 2, vol. 7/8, São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./dez 1977, p. 95/96).
08) Ocorre que, estabelecida essa controvérsia, verifica-se que a doutrina majoritariamente passou a se posicionar, ainda na vigência do CPC/73, de modo favorável à reconvenção sucessiva. Além de Pontes de Miranda e de
Calmon de Passos , citados no artigo acima mencionado, essa também é a lição de Cândido Rangel Dinamarco :
As hipóteses de admissibilidade de cumular reconvenções sucessivas no mesmo processo são improváveis e raras, mas não excluídas a priori pelo sistema do processo civil . É admissível formular reconvenção contra a reconvenção quando o autor-reconvindo tiver, por sua vez, uma pretensão conexa à reconvencional do réu ou aos fundamentos da defesa oposta a esta (art. 315) – mas desde que a nova demanda a propor não seja portadora de uma pretensão que ele poderia ter cumulado na inicial e não cumulou . (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. 3. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 504).
09) Exatamente no mesmo sentido é a lição de Luiz Guilherme Marinoni e de Daniel Mitidiero :Reconventio reconventionis . Além decontestar, pode o reconvindo propor nova reconvenção, desde que preencha os pressupostos inerentes à espécie e a possibilidade tenha surgido à vista de novo material fático trazido pelo reconvinte na reconvenção. A questão é polêmica na doutrina brasileira, mas a exigência de paridade de armas entre as partes no processo civil a autoriza (art. 5º, I, CRFB) . Com a nova reconvenção, pode inclusive surgir o interesse de terceiro participar do processo como assistente (art. 50, CPC) ou mesmo de ser cabível a oposição (art. 56, CPC), nomeação à autoria (arts. 62-63, CPC), denunciação da lide (art. 70, CPC) ou chamamento ao processo (art. 77, CPC). (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 2ª ed. São Paulo: RT, 2010. p. 322).
10) Dessa compreensão não destoa Luis Guilherme Aidar Bondioli :
Na medida em que se entende que o reconvindo deve ser intimado para responder à reconvenção, e não simplesmente para contestá-la, natural que lhe seja possível reagir de outras formas diante da demanda reconvencional. Entre as reações admissíveis, está a oferta de uma nova reconvenção no processo. Isso significa ser admissível no processo civil brasileiro a reconvenção da reconvenção. Afinal, não existe disposição no ordenamento jurídico nacional que vede a reação do reconvindo diante de a reconvenção com uma nova demanda reconvencional. E é de todo interesse concentrar num mesmo processo todas as demandas de alguma forma relacionadas a um mesmo contexto litigioso, a fim de que haja uma global, justa, coerente e econômica solução da controvérsia . Isso revela, aliás, que as mesmas ideias que inspiram a admissão da reconvenção legitimam a admissibilidade da reconvenção da reconvenção. Além disso, autor e réu devem receber igual tratamento no processo: se este pode reagir ativamente diante da demanda do autor, àquele também deve ser possibilitada reação ativa diante da demanda do réu . (BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Reconvenção no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 226/227).
11) Além deles, igualmente se pronunciaram de modo favorável ao cabimento da reconvenção sucessiva, na vigência do CPC/73, juristas como
Moacyr Amaral Santos (in Da reconvenção no direito brasileiro, 1973), José Rogério Cruz e Tucci (in Da reconvenção: perfil histórico-dogmático, 1984), Ovídio Baptista da Silva (in Curso de processo civil: processo de conhecimento,2002) e Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (in Código de processo civil comentado, 2003).
12) De outro lado, se porventura se entender que o marco temporal adequado para o exame da presente questão é a data da publicação da decisão que rejeitou liminarmente a reconvenção sucessiva (ocorrida na vigência do CPC/15), sublinhe-se que, na vigência da nova legislação processual, existem ainda melhores fundamentos que sustentam ser admissível a reconvenção à reconvenção , na medida em que alguns dos impedimentos apontados na vigência do CPC/73 foram solucionados pelo legislador.
13) Com efeito, diferentemente do CPC/73, que previa a intimação do autor-reconvindo para contestar à reconvenção (art. 316), o CPC/15 prevê que a intimação se dará para apresentar resposta (art. 343, §1º), gênero do qual a reconvenção, ao lado da contestação, são espécies.
14) Além disso, sublinhe-se que o CPC/15 vedou expressamente a reconvenção sucessiva apenas na hipótese da ação monitória (art. 702, §6º), razão pela qual o seu silêncio quanto às demais hipóteses é verdadeiramente eloquente.
15) É evidente que a admissibilidade, em tese, da reconvenção sucessiva, não pode servir de elemento para a eternização dos litígios e para que se admitam reconvenções sucessivas indefinidamente, o que, por óbvio, violaria os postulados da razoável duração do processo, da celeridade, da eficiência e da economia processual.
16) Daí porque, sob a ótica do CPC/73 ou do CPC/15, deve-se condicionar o exercício da reconvenção sucessiva ao fato de que somente tenha surgido pretensão exercitável conexa com a contestação do réu ou com a própria reconvenção do reconvinte .
17) A esse respeito, ensina Antônio Pereira Gaio Júnior :
Ressalte-se que a lei não proíbe e a doutrina admite como viável a reconvenção da reconvenção.
Os argumentos contrários se situam no campo em que o autor poderia fazer o pedido com a propositura da ação ou ainda sob a égide do CPC/1973, afirmava-se que o art. 316 (hoje, §1º do art. 343) falava em contestação do reconvindo e não em resposta do mesmo (locução esta alterado pelo CPC/2015); e mesmo que caberia ao autor construir outra relação processual.
Já os argumentos que militam no campo favorável apontam que nenhum dano poderá causar, posto que o autor é quem sabe o momento de conveniência e oportunidade para elencar outro pedido.
(...)
De fato, no âmbito do CPC/2015, assim como já afirmávamos acerca do CPC revogado, não encontramos qualquer óbice a que se possa realizar a reconventio reconventionis, logicamente, desde que se preencham os requisitos inerentes à espécie e que a nova reconvenção tenha surgido à vista de um novato material fático acarreado pelo reconvinte em sede de reconvenção.
Certamente, a própria boa fé processual e a legítima paridade de armas entre as partes, aliás, muito bem consagradas nos arts. 5º e 7º do CPC, dão o efetivo sustento à presente possibilidade. (GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Instituições de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2020. p. 441/442).
18) Igualmente no mesmo sentido, confira-se a lição de Fernando daFonseca Gajardoni , Luiz Dellore , André Vasconcelos Roque e Zulmar Oliveira Jr. :
5.2. A intimação do autor é para resposta, de modo que ele poderá, em tese, apresentar reconvenção da reconvenção, desde que a reconvenção anterior tenha trazido novos fatos que ensejaram a possibilidade de uma segunda reconvenção, que também deverá atender os requisitos legais . Tal não será possível, entretanto, na reconvenção da ação monitória, em virtude da vedação do art. 702, §6º. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2018. p. 143).
19) Ainda nesse particular, destaque-se, uma vez mais, a lição de Luís
Guilherme Aidar Bondioli , tratando da preservação da estabilização objetiva da demanda na hipótese. Diz ele:
Além disso, a reconvenção da reconvenção não traz risco de eternização do litigio, em razão do pressuposto de conexão entre as causas para a admissão da demanda reconvencional no processo pendente. Outro fator que elimina o risco de eternização do litígio relaciona-se com a exigência de que a reconvenção da reconvenção não atrite com a regra do caput do art. 264, que determina a estabilização da demanda inicial com a citação do réu. Assim, o autor-reconvindo não pode inserir na nova reconvenção pretensão que já poderia ter sido inserta na demanda inicial e deliberadamente não o foi, ainda que seu vínculo com o material constante do processo seja intenso. A reconvenção da reconvenção somente pode ventilar matéria relacionada com temas trazidos ao processo pela demanda do réu ou pela contestação do reconvindo. A ideia é a de que a nova demanda do autor tenha sido estimulada ou pela reconvenção ou pelos fundamentos da defesa apresentada diante desta . (BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Reconvenção no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 227/228).
20) Tendo em mira essas premissas, verifica-se que, na hipótese, o recorrente ajuizou ação de cobrança e de arbitramento de honorários advocatícios em face do recorrido, em que pleiteia o pagamento de honorários contratuais e sucumbenciais alegadamente devidos pelo réu.
21) Além de contestar a ação, o recorrido também reconveio, formulando pretensão de repetição do indébito, porque teria pago ao recorrente, a título de honorários advocatícios, valor maior do que o devido , surgindo, apenas a partir desse exato momento, a pretensão de repetição do indébito deduzida pelo recorrente, a fim de que seja o recorrido condenado a pagar ao recorrente o equivalente do que dele exige.
22) Com efeito, observe-se que a pretensão de repetição do indébito deduzida pelo recorrente não seria suscetível de cumulação com os pedidos de cobrança e de arbitramento formulados na petição inicial , mas, ao revés, apenas nasceu após – e a partir – da pretensão reconvencional deduzida pelo recorrido, razão pela qual não há óbice, nessas circunstâncias, à reconvenção sucessiva.
23) Finalmente, poder-se-ia objetar a aplicação deste entendimento, na específica hipótese em exame, ao fundamento de que a 2ª Seção desta Corte, por ocasião do julgamento do REsp 1.111.270/PR, submetido ao rito dos repetitivos (tema 622), fixou a tese de que “ a aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (cominação encartada no artigo 1.531 do Código Civil de 1916, reproduzida no artigo 940 do Código Civil de 2002) pode ser postulada pelo réu na própria defesa, independendo da propositura de ação autônoma ou do manejo de reconvenção , sendo imprescindível a demonstração de má-fé do credor”.
24) Entretanto, examinando-se a ratio decidendi do referido precedente vinculante, observa-se que a 2ª Seção desta Corte apenas autorizou que o debate acerca da repetição do indébito acontecesse a partir da arguição da matéria em contestação, sem, contudo, eliminar a possibilidade de manejo da reconvenção para essa finalidade.
25) Dito de outra maneira, a pretensão de repetição do indébito pode ser suscitada em contestação, não sendo exigível a reconvenção que, todavia, não é vedada . Ou, nas palavras do acórdão, “configurado o fato jurídico descrito na norma sob exame, a sanção civil correspondente poderá ser pleiteada pelo réu na própria defesa, não dependendo da propositura de ação autônoma ou do manejo de reconvenção”.
26) Assim, conquanto reconheça que há amplo dissenso acerca da questão controvertida e que o judicioso voto do e. Relator se encontra fundado em respeitada doutrina, ouso dele divergir para admitir a possibilidade de reconvenção sucessiva, desde que, como na hipótese, o seu exercício apenas tenha se tornado viável a partir de questão suscitada na contestação ou na primeira reconvenção , viabilizando que as partes solucionem integralmente o litígio que as envolve no mesmo processo, o que, respeitosamente, melhor atende aos princípios da eficiência e da economia processual, sem comprometimento da razoável duração do processo.
CONCLUSÕES.
27) Forte nessas razões, rogando as mais respeitosas vênias ao e. Relator, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para determinar seja dado regular prosseguimento à reconvenção sucessiva ajuizada pelo recorrente.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA