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Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8) Junho/2020

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 8ª REGIÃO (TRT)

Junho/2020

     PODER JUDICIÁRIO

      JUSTIÇA DO TRABALHO

 

DECISÃO

Vistos etc.

O executado OSVALDO DE NAZARÉ COLARES FILHO , por meio da petição de ID 071d235, apresentou manifestação alegando, em síntese, que houve o bloqueio judicial de parte de seu salário, conforme extrato bancário juntado aos autos (ID 98bd713). Requereu, pois, a revisão do bloqueio para determinar a suspensão da penhora em sua conta bancária e a devolução integral do valor bloqueado.

Analiso.

Ab initio, registro que há nos autos duas manifestações de conteúdo idêntico, protocoladas no dia 09/06/2020, sendo a primeira às 13h19min (ID 6718292) e a segunda, às 13h25min (ID b51fd9a). Assim, o protocolo de duas manifestações com conteúdo idêntico enseja o não conhecimento da peça apresentada por último, ante a preclusão consumativa. Logo, não conheço da manifestação de ID b51fd9a.

Ainda de forma inicial, cumpre salientar que a exceção de pré executividadeé o meio utilizado pelo executado para questionar matéria de ordem pública, ou seja, aquela matéria que o juiz pode reconhecer de ofício. Na hipótese em apreço, verifico que o executado arguiu a impenhorabilidade do seu salário, matéria de ordem pública que, portanto, pode ser arguida via exceção de pré executividade. Assim, recebo a manifestação do executado como tal.

Sobre esse meio de defesa, Antônio Pereira Gaio Júnior ensina que: "a exceção de pré-executividade é considerada instrumento hábil ao controle das execuções infundadas ou injustas, por isso, desprovidas, fundamentalmente, de requisitos basilares pelos quais repousa uma legítima satisfação de direitos pela via executiva" (Gaio Junior, Antônio Pereira. Instituições de Direito Processual Civil - 3 ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 921).

Trata-se, pois, de meio de defesa excepcional e atípico, incidental na execução, por meio do qual o executado pode suscitar matérias de ordem de pública que poderiam ser conhecidas até mesmo de ofício ou matérias que dispensem instrução probatória, com demonstração prima facieda inexigibilidade do título executivo, sem a necessidade de garantia do juízo.

O CPC/2015, embora não tenha incorporado a nomenclatura já consagrada na doutrina e jurisprudência pátrias, previu em seus arts. 518 e 803 algumas possibilidades legais de ser reconhecida a nulidade da execução, por simples petição ou independentemente de embargos à execução. Eis o teor dos referidos dispositivos legais:

"Art. 518. Todas as questões relativas à validade do procedimento de cumprimento da sentença e dos atos executivos subsequentes poderão ser arguidas pelo executado nos próprios autos e nestes serão decididas pelo juiz".

"Art. 803. É nula a execução se:

I - o título executivo extrajudicial não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível;

II - o executado não for regularmente citado;

III - for instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrer o termo.

Parágrafo único. A nulidade de que cuida este artigo será pronunciada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, independentemente de embargos à execução".

Dito isto, ante a alegação de matéria de ordem pública pelo executado, conheço da exceção de pré-executividade ofertada por OSVALDO DE NAZARÉ COLARES FILHO, eis que cabível e atendidos os pressupostos de admissibilidade. Friso que para a exceção de pré-executividade não é necessária a garantia do juízo. Pois bem.

No que toca à alegação de impenhorabilidade do salário do executado, entendo que, nos termos do §2º do art. 833 do CPC, aplicável ao processo do trabalho (CLT, art. 769 e OJ 153 da SBDI-2), a impenhorabilidade salarial prevista no inciso IV desse dispositivo se relativiza diante de execução de verbas de naturezas alimentares, como o caso dos autos, havendo, nesse cenário, a possibilidade de penhora de natureza salarial.

Ademais, o art. 529, §3º, do CPC prevê que "pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos".

In casu, vê-se do contracheque de ID 34ce7e2, que o executado exerce a função de secretário parlamentar, percebendo salário mensal de R$ 5.048,87, valor referente ao mês de maio/2020. Do extrato bancário de ID 98bd713, observa-se que o salário do executado é depositado em sua conta corrente sob a rubrica “recebimento de Proventos CÂMARA DOS DEPUTADOS”, não havendo, no aludido documento, indicação de recebimento de outros valores a título de verba salarial, em que pese existirem transferências realizadas por terceiros ao longo do mês.

Desse modo, razoável inferir que a fonte de renda do executado deriva unicamente do salário depositado mensalmente pela Câmara dos Deputados, donde se conclui que a penhora de mais da metade do salário, como verificado no presente caso, mostra-se, de fato, desproporcional, uma vez que pode tornar inviável sua subsistência.

Neste caso, entram em colisão direitos fundamentais, pois de um lado está a dignidade da pessoa humana do devedor e, de outro, a dignidade da pessoa do trabalhador, razão pela qual deve-se utilizar o princípio da proporcionalidade para solução da celeuma. Sem excluir o direito à satisfação das necessidades mínimas do devedor, mas possibilitando o adimplemento da execução, tenho que a penhora de 30% (trinta por cento) do salário até a efetiva quitação da obrigação mostra-se perfeitamente razoável para ambas as partes. O posicionamento acima, além de se coadunar com os princípios da máxima efetividade da constituição e da concordância prática, mostra-se adequado e suficiente para quitar a dívida, além de ser proporcional, em sentido estrito, estando, por conseguinte, preenchidos todos os requisitos para a aplicação do princípio da proporcionalidade.

Demais disso, impende destacar a grande dificuldade verificada no curso do processo para dar efetividade à execução ora em análise. Cito, por exemplo, os intoleráveis embaraços criados no que tange à notificação do excipiente, cujos familiares e/ou amigos encontrados em seu endereço residencial ora informavam que não o conheciam, ora diziam que ele havia se mudado para outro estado (Brasília/DF). Aponto, ainda, a inaceitável agressão física sofrida pelo senhor oficial de justiça no cumprimento de diligência determinada por este Juízo, conforme certidão de ID 492c12c, o que ilustra as dificuldades experimentadas nesta marcha do curso processual.

Assim, diante das mencionadas tribulações e, ainda, diante do permissivo legal para a penhora de parte do salário do devedor trabalhista, rejeito o pedido de suspensão da penhora online realizada na conta bancária do executado. Por outro lado, acolho o pedido de revisão da determinação do bloqueio, para fixar que tal bloqueio observe o limite de 30% (trinta por cento) da verba salarial do executado, a ser efetuado mensalmente até que se cumpra integralmente o valor da execução.

Por fim, em relação ao valor já bloqueado (R$ 2.707,66), determino a devolução ao executado do valor que ultrapasse o referido patamar de 30% (trinta por cento), devendo o restante permanecer à disposição do juízo.

Ante o exposto, ACOLHO PARCIALMENTE a exceção de pré executividade para fixar o percentual de30% (trinta por cento) a ser observado para efeito de penhora do salário do executado até a efetiva quitação da obrigação, determinando, ainda, a devolução ao executado do valor sobejante do bloqueio já realizado, nos termos da fundamentação supra, devendo o restante permanecer à disposição do juízo.

Oficie-se à fonte pagadora (Câmara dos Deputados) para que proceda ao desconto do percentual acima referido.

Dar ciência às partes.

Prossiga-se a execução.

MACAPA/AP, 15 de junho de 2020.

NEY STANY MORAIS MARANHAO

Juiz do Trabalho Titular